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domingo, 21 de maio de 2017

Ainda a luta de classes

Aqueles que se envergonharam apenas na última semana com seu voto passaram a postar, com insistência, a frase marota "é tudo farinha do mesmo saco". Não, não é tudo farinha do mesmo saco. Não, não é tudo igual. Então faço breve digressão para entender melhor essa malandragem ideológica(1).
Há uma questão de fundo que permeia todo o jogo político: ela se chama "luta de classes". Já tratei desse tema durante a campanha eleitoral de 2014(2) e lhe retorno para tentar clarear o momento atual, haja vista ser tal categoria fundamental para o entendimento da dinâmica social, política e econômica.
Quando alguém afirma serem todos os partidos iguais ou que não existem direita e esquerda, reproduz o discurso da direita, intencional ou inconscientemente. Direita e esquerda são rótulos históricos(3) para posições ideológicas e políticas antagônicas. Enquanto a direita defende a primazia do capital sobre o trabalho, a esquerda defende a primazia do trabalho sobre o capital. E, nessa refrega ideológica, não há conciliação possível, porque os interesses são absolutamente contraditórios.
Capital e trabalho são classes sociais. Então, luta de classes nada mais é do que o embate dos interesses entre o capital e o trabalho. Por isso há partidos que são rotulados de esquerda e outros de direita, porque defendem uma sociedade formatada diferentemente. Por exemplo, quando o PSDB e o DEMo defendem o estado mínimo e a sua não intervenção nas relações de produção, o fim da aposentadoria e dos direitos do trabalhador, estão justamente defendendo os interesses do capital e subordinando o trabalho a esses interesses, pois entendem que o lucro é mais importante que a situação do trabalhador. Já quando o PSOL ou o PT defendem um estado mediador das relações sociais, os direitos trabalhistas e a melhoria da condição social do trabalhador, estão buscando defender os interesses da classe trabalhadora e regrando a atividade do capital de acordo com esses interesses, pois entendem que a condição de vida do trabalhador é mais importante que o lucro do capital.
Estando claros os conceitos, assim espero, resta-me aplicá-los à nossa realidade. Ao buscar desqualificar a luta do campo ideológico da esquerda na defesa da classe trabalhadora, igualando-a à luta do capital promovida pelos partidos de direita e demais aparelhos ideológicos de estado(4), como imprensa, instituições religiosas e empresas, o incauto trabalhador - porque não cabe falar do dono do capital - reproduz um discurso alienado, que o mantém submisso aos fortes grilhões do capital, uma vez que esse trabalhador não se sentirá motivado a se engajar na luta da sua classe social pela melhoria das suas próprias condições de vida. E mais, odiará a luta da classe a que pertence(5) porque não entende as diferenças profundas entre esquerda e direita.
Ao reduzir a atividade político-partidária à corrupção, dizendo que todos são farinha do mesmo saco, reproduzindo um discurso interessado da grande imprensa, o trabalhador alienado torna-se completamente inapto a lutar por seus direitos e passa a achar que as migalhas sociais oferecidas pelo capital, que são parte do jogo ideológico, são os únicos benefícios possíveis na sociedade desigual em que se insere. E passará a entender a sociedade através do olhar duma classe que não é a sua.
Então, não se deve reduzir a atividade político-partidária à corrupção, porque política não é sinônimo de corrupção. A corrupção se encontra em todas as atividades humanas e não é exclusividade do jogo político. Aliás, a corrupção é uma das formas de o capital exercer a soberania de seus interesses na sociedade. Políticos corruptos não são corruptos porque são políticos, pois seriam corruptos também noutras atividades do cotidiano, são corruptos por sua formação imoral. Dessarte, se há indivíduos corruptos no meio da classe trabalhadora - e os há -, em vez de desqualificar toda a luta da esquerda por conta disso, deve-se alijar tais indivíduos da liderança da classe trabalhadora.
Criminalizar a atividade política é um jogo ideológico cruel, porque justamente promove o desinteresse da classe trabalhadora na sua participação política, deixando ao capital todo o poder de definir a organização social em que se vive. Ao trabalhador resta lutar por seus direitos e conquistas sociais por meio dos partidos políticos de esquerda, dos sindicatos e dos meios de comunicação alternativos, como as redes sociais, a fim de tentar se contrapor ao avassalador poder do capital sobre a sociedade.
Então, meu amigo, na próxima vez que você postar um meme dizendo que no Brasil todos os partidos são iguais, saiba que você estará apenas promovendo o avanço dos interesses do capital sobre os direitos do trabalhador e, por corolário, reforçando a precária condição social da classe trabalhadora.
Notas:
(1) Essa "malandragem ideológica" é muito bem apresentada no livro de Clóvis de Barros Filho e Gustavo Fernandes Daineze, "Devaneios sobre a atualidade do Capital".
(2) No blogue Diálogos impertinentes -
http://dialogosespiritas.blogspot.com.br/…/luta-de-classes-…
(3) Vale a pena conhecer o porquê do uso desses rótulos, sugiro a leitura dum ótimo livro de Norberto Bobbio, "Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política".
(4) Sobre aparelhos ideológicos de estado, conceitos e entendimento de seu funcionamento na sociedade, recomendo a leitura do livro de Louis Althusser, "Ideologia e aparelhos ideológicos de estado".
(5) Vale a lembrança da famosa frase de Malcom X: "Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo".

domingo, 30 de abril de 2017

VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita

Acontecerá em Salvador, BA, entre os dias 26 e 28 de maio de 2017, o VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita.

Abaixo, texto extraído da página do evento:

Estarei lá!
VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita
CEPABrasil - ​Salvador-BA - 2017

Nos dias 26 a 28 de maio deste ano de 2017, o Teatro Espírita Leopoldo Machado - Telma realizará em sua sede, na cidade de Salvador-BA, o VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita, evento promovido pela CEPABrasil - Associação Brasileira de Delegados e Amigos da CEPA - Associação Espírita Internacional.

A CEPA, que teve como um de seus primeiros delegados no Brasil o pesquisador Carlos Bernardo Loureiro, fundador e presidente de honra do Telma, encontra em Salvador um centro espírita com profunda identidade de pensamento.

Os participantes do FLPE, que virão de várias cidades, debaterão temas espíritas sob a perspectiva do pensamento laico, progressista e livre-pensador, que marca a CEPA e o Telma.

O evento também contará com palestrantes baianos consagrados, inclusive membros de diversas instituições espíritas e da Federação Espírita do Estado da Bahia (FEEB), que realizarão debates de alto nível sobre convergências e divergências no entendimento do Espiritismo e seus caminhos éticos. Participe!


Para maiores informações:
http://www.telma.org.br/viii-forum-do-livre-pensar-espirita.html

domingo, 12 de março de 2017

Um harakiri necessário

Leandro Karnal, após apagar sua postagem jantando e bebendo vinho ao lado do juiz Sérgio Moro, fez nova postagem com um mea culpa a seus seguidores.

Desse imbróglio Karnal-Moro ficam, para mim, algumas lições:

1. Para quem pensava que Sérgio Moro era uma unanimidade, em verdade ele é rejeitado por parte muito significativa dos habitantes das redes sociais. Tamanha foi a reação contrária ao encontro inusitado que Karnal viu-se impelido a apagar a postagem e escrever suas desculpas. Sim, ser visto hoje ao lado de Moro é um certificado de "maus antecedentes", haja vista tantas arbitrariedades e ilegalidades cometidas pelo juiz curitibano.

2. Quando uma pessoa inteligente e bem preparada se expõe de alguma forma, pressupõe-se que a manifestação seja sempre de caso pensado. Ou seja, algo sempre é dito além do mais evidente. E, no caso de Karnal, em seu texto diz que, além de ter sido descuidado na postagem, "por perceber que errei, deletei o post com a foto feito após algum vinho. Se beber não poste." A culpa foi do vinho. Ah, tá. Karnal não tem o direito de zombar de seu público, achando-o incapaz de ler as entrelinhas, como o fez nessa resposta, no mínimo, descortês. Barbara Gancia, em resposta ao texto de Karnal, foi incisiva e certeira: "Não precisa se explicar, cada um que pense o que lhe for da cabeça. [...] E, como bebida não é atenuante, muito menos para falha de caráter, continuo a achar -como sempre achei- que o senhor tem lá alguns bons momentos, mas, no âmbito geral da sua atividade profissional, sua prédica não passa de ar quente." É certo que a resposta da jornalista foi dura, mas revela o que disse acima: havia uma intenção além do mais evidente na publicação, então que cada um entenda como lhe aprouver, e eu entendi como a jornalista paulista.

3. A aproximação entre direita e esquerda hoje no Brasil se tornou quase uma impossibilidade. A dicotomia radical de posições entre lados políticos opostos transbordou das câmaras legislativas e palácios de governo para ruas, bares, escolas e lares. A convivência entre pessoas de pensamento político divergente tornou-se insustentável, a tal ponto que o mero fato de ser visto em convescotes com um adversário politico basta para a execração pública e cruel de qualquer pessoa. Chico Alencar e Leandro Karnal são exemplos recentes dessa dualidade irreconciliável. Aquele tio coxinha, aquele primo bolivariano ou a amiga feminista são pessoas para serem mantidas a uma distância regulamentar, a fim de evitar um confronto duro e incômodo. Os grupos virtuais e as rodas de amigos têm agora regras que impedem qualquer manifestação política, visando uma paz que já não existe, mentirosa, pois qualquer pequeno escorregão de uma das partes, os embates tornam-se inevitáveis.

4. Temo sinceramente pelo futuro político desse país. As eleições vindouras poderão ser um marco ainda maior de agressividade, desrespeito e violência. Poderá ser o harakiri da nossa sociedade, com perdas de todos os lados e rachaduras irreparáveis. E talvez, como diria Hegel, seja a necessária antítese que poderá gerar algo melhor num futuro distante. Mas atravessar esse mar tormentoso para todos será uma experiência traumática. Os sobreviventes sentir-se-ão como Pirro em Ásculo.

São tempos difíceis e, pior, acho que não serão breves. Uma noite política se instalou entre nós e os lobos estão soltos, à caça de quem vacilar em suas escolhas.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Uma nova revolução

Tenho lido muita coisa sobre a nova revolução em curso, que aponta para um mundo novo que surge a partir das mudanças causadas pelas novas tecnologias digitais, com acesso pleno pelas pontas dos dedos.

A transformação rápida e sem par na história humana causa terremotos sociais e mudanças agudas no sistema econômico capitalista. Exemplos? Kodak x fotografia digital; Táxis x Uber; TVs x Netflix; e hotéis x Airbnb. Essas são apenas as mais conhecidas e citadas. Mas há muitas outras ocorrendo em silêncio, na pressa agônica da tecnologia, como a revolução que a Tesla parece proporcionar, ou o serviço Watson de advocacia. Não conhece e nem nunca ouviu falar nesses nomes? Em que mundo você vive? Você ainda é daqueles que acham que o mundo ainda precisará de advogados e de carros como hoje ainda precisamos?

Essa revolução mudará não apenas a forma como fazemos as coisas cotidianas, mas como trabalhamos, como lideramos e somos liderados, como nos deslocamos, como amamos, como nos divertimos. E o que vem por aí? Bem, seguem algumas leituras iniciais obrigatórias:

A 4ª revolução industrial está em curso…
Udo Gollub

A disrupção já chegou e você ainda não viu
Cezar Taurion

Transformação digital e a nova globalização
Maurício Antônio Lopes

Gabriel Garcia

A ousadia da Tesla Motors
Revista HSM Management

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Espiritismo e política - II

Minha experiência em casas espíritas, e já é uma longa experiência, contada em décadas e muitas casas diferentes, mostra que o tema política costuma não ser muito bem vindo em palestras e estudos internos. O que é uma pena.

Há duas justificativas mais comuns para essa proibição implícita: uma é que o espiritismo não deve imiscuir-se em política partidária por pretender um discurso universal, portanto não deve tratar de política em suas atividades; outra é a crença que a discussão política leva à dissensão, quebrando a harmonia necessária às atividades da casa ou do grupo, focadas no atendimento a carências diversas.

Bem, penso que as duas justificativas são insustentáveis e ilustram um comportamento mais prejudicial do que construtivo. Mas as enfrentemos.

Sem dúvida, o maior objetivo das propostas espíritas é a transformação interior do homem, que significa a transformação de seus sentimentos, de suas atitudes e de seus pensamentos. Lutar contra o orgulho e o egoísmo que impedem nosso crescimento como indivíduos e cidadãos resume bem a proposta de Jesus transcrita nas obras kardecistas.

Mas como realizar a transformação pessoal sem a necessária convivência com o outro? Afinal, é justamente na convivência em sociedade que conseguimos expressar nossos sentimentos, praticar nossas atitudes e burilar nossos pensamentos. A comparação do homem em sociedade com o lapidar da pedra em contato com outras é bem ilustrativo do processo de transformação interior do indivíduo: só conseguimos melhorar a partir da convivência, do contato, do conflito com o outro. Ou, de outra forma, só mudamos a partir da experiência social com o outro. Isso significa que toda meditação, oração e estudo de nada servirão se não conseguirem mudar nossas posturas com o outro.

Nossas experiências sociais iniciam-se em família e transbordam para grupos cada vez maiores no nosso processo de amadurecimento. E em todos esses grupos precisamos colocar em prática nossa opção de ser espírita: empatia, caridade, compreensão e respeito. E saber viver em grupos sociais, buscando o melhor para nós e para todos é o que se pode traduzir muito bem como política. Portanto, fazemos política o tempo todo em nossas relações sociais. Fazemos política na família, no condomínio, na escola, no trabalho, na casa espírita, em qualquer lugar, pois fazer política é justamente buscar conviver bem nos grupos sociais a que pertencemos. E por que não podemos estender essa busca pela melhoria de nossos grupos relacionais à dimensão do nosso bairro, da nossa cidade ou da nossa nação?

Será que discutir nossas posturas em família causa dissensão? Se não, por que discutir nossas posturas na cidade causariam? Viver na cidade é ser cidadão e a casa espírita precisa discutir a cidadania. E isso é política da melhor qualidade! O espaço de discussão do espírita é a casa espírita por excelência e ela não se pode furtar a esse papel. Educar e orientar o cidadão são auxiliá-lo em seu processo de transformação pessoal, é ser espírita na melhor acepção da palavra.

Limitar a discussão política à discussão da política partidária é reduzir o papel da política em nossas vidas. Isso não quer dizer que não se pode também enfrentar esse tema, haja vista a nossa necessidade de dialogar sobre as questões da cidade, e que essas questões podem resvalar, algumas vezes, em questões partidárias. Mas outra coisa bem diferente da discussão partidária, e de candidaturas para cargos eletivos, é a discussão sobre ideologias e suas formas de enfrentamento dos problemas da cidade. Penso que o diálogo ideológico é essencial até para o bom entendimento dos discursos políticos, das notícias e dos fatos cotidianos que nos alcançam. E dialogar sobre ideologias e suas formas de entender o mundo não é doutrinar, é educar, portanto crescermos como indivíduos e melhor nos preparar para a atuação em sociedade.

Quanto à questão da manutenção da harmonia do ambiente da casa espírita como justificativa para a vedação do diálogo político interno, penso que são tantas as questões que causam desarmonia entre pessoas, que não seria esse o problema. Em verdade, não é o tema política que causa desarmonia, mas a situação emocional e mental dos indivíduos, pois nos desarmonizamos em qualquer situação que toque em ferida aberta ou melindre guardado. Se o tema em questão leva à desarmonia, é uma ótima oportunidade para o trabalho na casa espírita, pois temos a oportunidade de enfrentar um ponto que mexe na nossa paz e na nossa tranquilidade. Ora, não é esse justamente o papel da casa espírita? Deixaremos então de atender indivíduos, encarnados ou não, que exibem comportamento desajustado porque pode causar desarmonia? Como se vê, discutir política deveria ser como dialogar sobre qualquer questão, incluindo nossos problemas mais incômodos, como aqueles que nos tiram do sério e expõem nossas severas dificuldades emocionais e relacionais.

Sei que esse tema ainda é grande tabu nas casas espíritas, mas é preciso enfrentá-lo para conseguirmos superar esse obstáculo e tratar a política como parte da nossa formação integral.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Espiritismo e política - I

Primeiramente, devo reconhecer o valioso esforço pessoal de alguns espíritas na consecução de determinados objetivos de assistência e promoção sociais. A criação de obras sociais, algumas grandiosas, que visam a auxiliar indivíduos e famílias em situação de risco social é algo a ser enaltecido e louvado.

Esses indivíduos, e conheço alguns muito proximamente, grosso modo, possuem caráter exemplar e vontade carregada de energia criativa. Mas há outra característica que gostaria de aqui destacar: o empreendedorismo. Essas pessoas, que dedicam parte de sua vida – e alguns toda a sua vida! – a amparar, proteger e cuidar de outras pessoas de forma voluntária, foram capazes de construir escolas, hospitais, asilos, creches e outros instrumentos, por meio da liderança de grupos de indivíduos para a realização dum sonho. Enxergaram um objetivo, agregaram outras pessoas para compartilhar metas, construíram mecanismos para a obtenção dos recursos necessários, lideraram a execução das tarefas e empenharam muito esforço no acompanhamento dessa realização.

Mostraram, com os resultados alcançados, que, além de indivíduos com um imenso coração, são administradores de qualidade e ótimos gestores de projetos.

Mas, e sobre os resultados? Quantas pessoas ou famílias são atendidas numa instituição qualquer de um desses casos de sucesso de acolhimento social? Bem, eu conheço algumas obras grandiosas, e a quantidade de pessoas atendidas chega à casa dos milhares. Um sucesso, se analisado apenas pelo resultado objetivo, pois aos atendidos restou a oportunidade ofertada de mitigar uma difícil situação social ou pessoal.

Não obstante o sucesso no atendimento a tantos indivíduos na mais grandiosa das obras sociais que se possa citar, a quantidade de pessoas atingidas sequer arranha o tamanho do problema social em que vivemos, haja vista a desigualdade social extrema, a precariedade crônica no atendimento à saúde e à educação e ao drama da renda miserável a que se submete a maioria da população.

Posso aqui citar a frase atribuída à madre Tereza de Calcutá:

“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.”

Sim, seria menor, mas numa proporção insignificante diante da imensidão do problema. O que me leva a pensar que as características já relatadas desses indivíduos empreendedores seriam mais bem aproveitadas se canalizadas para a busca de soluções em escala mais apropriada à dimensão do problema. Ou seja, em vez de construir uma escola ou um hospital, gastando esforços, capacidades e recursos valiosos, onde serão atendidas apenas poucas pessoas, por que não construir muitas escolas e hospitais? Ou administrar melhor os que existem? Em vez de mitigar o problema de algumas famílias, por que não os buscar solucionar para muitas famílias?

De que falo? Ora, de política! Esses indivíduos seriam o crème de la crème, o melhor que se poderia esperar dum político num país tão cheio de carências sociais e morais. Pensem num desses espíritas que construíram uma obra social grandiosa, que atendem a um sem-número de famílias. Agora, imaginem-no prefeito de sua cidade, governador de seu estado ou presidente desse país, propondo e executando políticas sociais consistentes. Ou mesmo vereador, deputado ou senador, legislando sobre os graves problemas que enfrentamos.

Teríamos então homens de caráter e coração bondoso, com visão social aguçada e forte espírito empreendedor, lutando para superar nossos abismos sociais e vencer nossas chagas morais. Penso que a política seria seu local de trabalho por excelência. Afinal, são talentos. E talentos que precisam ser direcionados para o melhor resultado.

A contradita se poderia fazer por meio da criminalização da atividade política, como sói acontecer, jogando todos os seus partícipes na mesma lama suja que hoje enxergamos. Mas, nesse ponto, tem-se outro problema: a política não é uma forma de resolver as questões da sociedade, é a única forma. E se não nos esforçarmos para mudar o perfil de nossos representantes políticos, nossos problemas jamais serão resolvidos a contento. Já não seria, então, a hora de olharmos a política de forma mais madura? Será que a crise moral e política que hoje percebemos não seria capaz de mudar nossa forma de participação? Afinal, se os políticos hoje nos envergonham, lá estão porque foram votados não por uma entidade mágica, mas por nós eleitores.

Aqui falo para espíritas, mas o mesmo se poderia dizer de qualquer outro segmento social com características similares: probidade comprovada, desejo de fazer o bem e forte espírito empreendedor. E isso para deixar claro que não apoio nenhum espírita por ser espírita, mas homens e mulheres que se enquadrem nessas características.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Ainda o verbete "presidenta"

Não tardará, provavelmente, para a Presidenta da República ser inexoravelmente golpeada pelos sórdidos homens da lei, feitores e obrigadores, mancomunados com os homens divulgadores de mentiras e ideias torpes.

Mas aqui não escrevo sobre o golpe e sua triste passagem para a história como mais um momento de entorpecimento midiático do povo, e sim sobre língua. Língua falada e escrita.

Muitos se assoberbaram de razões para desqualificar a ainda atual Presidenta pela escolha, há cerca de seis anos, do vocábulo inusual para ser citada e referenciada. Articulistas e sábios vetustos riram e desdisseram dessa escolha.

Fui, já há um bom tempo, consultar um amigo, afeito aos textos deliciosos e aos contos saborosos, que prontamente veio ao meu socorro. Disse-me ele, então, num de seus momentos de beleza ímpar:

"Capítulo LXXX
De Secretário
[...]
Respirei e não tive ânimo de olhar para Virgília; senti por cima da página o olhar dela, que me pedia também a mesma coisa, e disse que sim, que iria. Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretário, era resolver as coisas de um modo administrativo .1

Disse-lhe: 'por que afinal não se tornara ele um apoio à escolha da presidenta?'

Disse-me ele, em sua astúcia singular: 'esses moços que riem e desfazem da presidenta não me leem, caro amigo, pois suas desditas não são literárias nem linguísticas, apenas rancorosas.'

Rimos juntos, e seu riso foi tão alto que o ouvi daqui, mesmo separados por mais de 130 anos."

1. Citação da obra "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, publicada como folhetim durante o segundo semestre de 1880.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Eu tenho um lado

Eu sempre soube que eu tinha um lado.

Minhas experiências de vida sempre tocaram num ponto: o sentimento de impotência diante da desigualdade e da injustiça social, e o aperto no coração por conta da dor dos excluídos. Isso me incomoda muito.

Nunca pensei em apenas “cuidar da vida” esquecendo-me dos outros. Eu sempre achei que deveria fazer algo. E não apenas orar ou torcer, mas fazer algo de concreto que pudesse significar, mesmo que em escala ínfima, um auxílio àqueles que vivem em condições de risco social. Saí às ruas da minha Salvador durante quase oito anos, todas as noites de terça-feira, para, juntamente com outros abnegados companheiros, alimentar e ajudar homens, mulheres e crianças de rua, que experimentavam a fome, o frio e o medo.

Sim, eu tenho um lado.

E isso gritou ainda mais alto dentro de mim nessa noite chuvosa de domingo, o 17/04/2016. Pois estávamos na rua lutando pela democracia e pela legalidade, e ao meu redor inúmeros homens e mulheres de rostos enrugados e mãos calejadas, gente simples, gente que sofre todas as mazelas sociais e econômicas desse país injusto, sob a chuva, enrolados em suas bandeiras vermelhas dos movimentos sociais, único apoio verdadeiro dessa gente.

Vê-los ali, ao meu lado, faces molhadas de suor e chuva, reivindicando, gritando, vibrando, torcendo e mostrando toda a força dessa gente de fibra, fez-me ter a certeza de que caminhar ao seu lado é o que de mais honroso e belo eu poderia fazer. Lutar por eles jamais, mas lutar com eles. Mostrar que gente como eu, da classe média, bem nutrida e estudada, pode e deve ser parceira nesse caminhar, porque, mesmo sem lutarmos a mesma luta da vida, sonhamos o mesmo sonho de igualdade, solidariedade, justiça e respeito.

Sim, eu tenho um lado.

E o meu lado é o lado do autêntico povo brasileiro e das suas lutas históricas por mais direitos e acesso a serviços públicos decentes. É o lado do trabalhador que acorda muito cedo para honrar seu mísero salário de explorado. É o lado dessa gente de corpos transformados pelo esforço de uma vida de muita dor e luta, mas que traz dentro de si um universo incomparável de amor e beleza.

Sim, eu tenho um lado.

E você, meu amigo, que não entende a razão de eu ter esse lado, só posso lamentar e torcer para que você também um dia acorde e se junte a nós nesse esforço de transformar nosso país num lugar de oportunidades iguais e justiça para todos. E porque essa luta não para, não cessa, também precisaremos de você. E nesse caminho, não se engane, haverá derrotas, percalços e tristezas, mas o horizonte que vislumbramos, os sonhos que temos, fazem-nos ter a certeza de que não poderíamos jamais ter outro lado.

Sim, eu tenho um lado. E esse é o meu lado!

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Salvador, plural e diversa

Hoje, eu e a Nega fizemos um percurso diferente na caminhada matinal. Em vez de irmos, como sempre fazemos, ao Iate e depois às Gordinhas da Ondina, fomos até o novo Rio Vermelho para ver as novidades da reforma e da requalificação.
Vista aérea do Rio Vermelho
Tudo muito bacana, tudo muito bonitinho, como sempre parece o início de qualquer intervenção urbanística. Mas não é sobre a beleza do tradicional bairro do Rio Vermelho que quero falar, e sim sobre os detalhes que percebi na caminhada.
A boa impressão: a reforma preservou as diversas esculturas do bairro que fazem referência ao universo do candomblé, como a tradicional "Iemanjá", festejada no bairro sempre no 2 de fevereiro, localizada bem no Largo da Mariquita; o "Cetro da Ancestralidade", do Mestre Didi, com seus 7 metros de altura, agora com mais destaque e beleza; e a "Odoyá", ou mais conhecida como "Espinha de Peixe", que é uma escultura criada pelo artista plástico Ray Vianna também em homenagem à Iemanjá. Ainda há outras referências interessantes desse mundo religioso afrobrasileiro no boêmio bairro soteropolitano.
A caminhada me remeteu à polêmica criada em torno da proposta de lei de uma vereadora evangélica fundamentalista, que pretendia instalar a escultura de uma Bíblia em pleno Dique do Tororó, para afrontar os orixás que embelezam o local. Afora a estupidez insensata da proposta do edil, aprovada na Câmara de Vereadores no dia 25 de novembro de 2015, o prefeito da cidade, conhecido pela alcunha de ACM Neto, manifestou-se contrário ao projeto, apesar de não o ter ainda vetado formalmente.
Mas há esperanças de que essa barbaridade cultural não seja levada adiante, por conta da postura plural que o prefeito tem tido em relação à diversidade religiosa e cultural que caracteriza a soterópolis baiana.
Cetro da Ancestralidade, no Rio Vermelho
E aqui o ponto positivo: sempre digo em conversas que as personagens de novelas e romances são caricaturas, pois há sempre os bons e os maus, e os bons jamais erram e os maus jamais fazem algo merecedor de elogios. Não, as pessoas no mundo real não são assim. Com isso em mente, apesar da minha postura de oposição política à gestão do prefeito, devo reconhecer seu acerto, não pelo embelezamento de partes turísticas da cidade, esquecendo-se dos subúrbios miseráveis, mas pela postura plural e promotora da diversidade.
A promoção da diversidade pôde também ser vista por nós na caminhada quando passamos por um órgão da prefeitura singular: o Centro de Referência LGBT, situado no Rio Vermelho. O órgão é gerido pela SEMUR (Secretaria Municipal da Reparação), que atua com programas para superação de diferenças de gênero e étnicas na cidade.
Gol do Netinho! Por preservar a cultura ancestral do povo africano na Bahia, lutando contra os fanáticos fundamentalistas evangélicos, e por legitimar as muitas diferenças humanas por meio de órgão específico de promoção da igualdade, porque somos todos humanos, independente de crença, etnia, sexo, orientação sexual, posição política e nacionalidade.
E Salvador, que sempre foi plural e diversa, não merece que sua liberdade seja solapada por intransigentes e intolerantes teocratas.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

The world’s fastest growing cities

Donald Armbrecht
Nov 25, 2015
World Economic Forum

The TV tower at Alexanderplatz square during sunset in Berlin.
REUTERS/Fabrizio Bensch

By 2025, the Chinese city of Shenzhen will be home to more than 12 million people. In 1950, it was a fishing village with only 3,148 citizens.

In 1960, the only city in sub-Saharan Africa with a population of over 1 million people was Johannesburg. Ten years later, there were four. By 2010, that number had sky-rocketed to 33 cities.

Worldwide, urban areas are expanding. It is estimated that by 2050, 70% of the world’s population will be living in urban areas.

How fast are cities growing? That depends on the region in question. In Europe, 73% of people live in urban areas, South America 83% and North America 82%. That does not mean that the west has finished growing. Both London and New York are growing at a rate of 9 and 10 people per hour. London earlier this year reached a record 8.6 million inhabitants.

Neither Africa nor Asia have passed the 50% mark yet, but that is quickly changing. India and China, two of the world’s most populous nations, have been undergoing rapid economic development. Delhi is at 79 people per hour, Mumbai at 51. In China, Shanghai welcomes 51 new citizens an hour.

There is a large incentive for nations to urbanise. In 2012, 33% of the world’s population lived in large cities, accounting for 55% of the world’s economic output.

In the infographic below, the Guardian charts some of the fastest growing cities in the world. The chart shows the number of people added to a city’s population every hour.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Viva Paulo Freire!


Relato-homenagem: viva Paulo Freire!

Sim, sou um professor. Porque professor não se está ou se exerce, é-se. Fala-se de imanência e não de contingência. Pode-se deixar de lecionar, mas não de ser um professor. Ensinei por vários anos. Ensinei algumas disciplinas de filosofia e outras de engenharia eletrônica. Gosto muito de ambas. Mas a filosofia é minha companheira de viagem, de solidão, de reflexão, enfim, de vida. Escolhi essa companheira para parceira eterna, e que minha adorada Nega não fique com ciúmes, pois nossa relação íntima é meramente cognitiva, apaixonada, não excludente, partilhada, mesmo que sensual e amorosa. Amar a filosofia, com seus fantásticos percursos lógicos e seus escandalosos questionamentos, fez-me um cético, crítico e iconoclasta. Acima de tudo um iconoclasta! Mas dentre os ídolos que me ajudaram a matar ídolos, encontrei um, durante a travessia ainda incompleta, que nutro especial admiração: Paulo Freire.


Nas aulas de filosofia para educadores, uma das minhas melhores experiências docentes, trazia Freire para dialogar conosco e nos fazer melhor refletir sobre o processo ensinar-aprender. Aprendia muito nas aulas sobre o maior pensador brasileiro. Tantas e tantas vezes fui capaz de mudar minha postura docente, destruir meus pensamentos cristalizados e construir novas hipóteses para serem discutidas e testadas. Com ele e com os alunos aprendi um pouco mais sobre opressão, autonomia e liberdade.

Sim, não exerço mais a docência. Os compromissos materiais da vida me impuseram escolher entre ter tranquilidade econômica, para mim e minha família, e viver a paixão desenfreada do debate polêmico, do palco de reflexão conjunta e da escrita mordaz e irônica. Eu sucumbi. E talvez, por isso, não seja mais um professor. Um professor nesse país, infelizmente, não tem valor social e não consegue viver financeiramente tranquilo. Falta-lhe paz. E isso não é bom.

Hoje, a sala de aula jaz nalgum espaço obnubilado da minha memória que, vez por outra, transborda em lembranças que me fazem sorrir e pegar um bom livro de leitura filosófica. E lembrar de Paulo Freire. E lembrar e agradecer aos meus inúmeros alunos que me fizeram aprender muito nos anos de ensino.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Mamute 2.0

Expedição ártica encontra restos clonáveis do animal extinto
http://br.sputniknews.com/ciencia_tecnologia/20151008/2368062/expedicao-artica-encontra-restos-de-mamute-clonaveis.html
Sputnik Brasil
Publicado em 8 de outubro de 2015

Uma expedição científica às Ilhas Lyakhovsky, na costa da Sibéria, descobriu restos clonáveis de pele e presas de marfim de um mamute lanoso – última espécie de mamute a se adaptar às regiões árticas.

A expedição exploratória internacional, liderada por cientistas da Universidade Federal do Nordeste da Rússia (UFN), em Yakutsk, foi realizada em duas etapas entre os dias 11 de agosto e 29 de setembro, segundo explicou Semyon Grigoriev, líder da equipe de exploradores e diretor do Museu Lazarev do Mamute, em uma conferência de imprensa na quarta-feira (7).

De acordo com o cientista, a equipe encontrou seis espécimes de fósseis de mamute lanoso adequados para a extração de DNA.

© Wikimedia Commons
Mapa das Ilhas Lyakhovsky
"As Ilhas Lyakhovsky são consideradas o continente dos mamutes", disse Grigoriev, explicando a escolha do local para as explorações.

"Para começar, ao lado de arqueólogos nós realizamos uma escavação na localização mais ao norte onde o homem antigo viveu, não muito longe da aldeia de Kazachye onde encontramos uma enorme quantidade de ossos de mamute, e também de ferramentas antigas", relatou o cientista russo.

"Então, depois de esperar um longo tempo pelas condições climáticas certas, seguimos para o principal alvo da nossa expedição, a Grande Ilha Lyakhovsky, onde encontramos uma grande quantidade de restos únicos", continuou Grigoriev, citando amostras de pele e dentes da espécie extinta.


"A pele é o mais interessante para nós, para o nosso projeto ‘Renascimento do Mamute’, porque os nossos colegas coreanos consideram a pele como o melhor material para uma tentativa de clonagem através da extração de células viáveis", explicou o cientista.

A expedição da UFN, batizada de “Ecúmeno Nordeste”, envolveu 16 pesquisadores de seis países e foi possível graças a uma doação de dois milhões de rublos oferecida pela Sociedade Geográfica Russa.

"Consideramos a expedição um sucesso; afinal, a partir de aparentes pequenas expedições, grandes descobertas científicas podem ser feitas", concluiu Grigorev, cuja equipe está agora se unindo a pesquisadores coreanos para analisar os restos do mamute em busca de células primárias bem conservadas, viáveis para a clonagem.

Um acordo de cooperação foi assinado em 201 entre a administração do Museu Lazarev do Mamute, sob a tutela do Instituto da Ecologia Aplicada do Norte, da UFN, e a fundação sul-coreana Soam, de pesquisa biotecnológica, dentro do projeto "Renascimento do Mamute".

O animal se tornou uma espécie de símbolo nacional da Rússia, devido à grande quantidade de fósseis encontrada no subsolo do país. Os cientistas já elaboraram o mapa genético da espécie e esperam poder criar um cromossomo vivo do mamífero extinto depois de algumas modificações com base no DNA do elefante asiático. Se bem sucedido, o resultado da experiência poderia ser implantado no óvulo de uma elefante fêmea para ser fecundado.

A ideia soa como ficção para muita gente, inclusive para grande parte da comunidade científica, que se mantém cética quanto à capacidade tecnológica de que dispomos atualmente para bancar uma experiência desse porte. Apesar de tudo, se os entusiastas da clonagem na UFN estiverem certos, imagine o quadro: daqui a alguns anos ou décadas, talvez, poderíamos ver manadas de mamutes desbravando novamente a Sibéria.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Diálogos palestinos – II

Ele:
- Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. (Mt 5,5)
Um seguidor resolveu perguntar:
- Então devemos sempre ser mansos e pacíficos?
Ele:
- Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus. (Mt 5,44)
Ainda curioso o seguidor:
- E se for pelo inimigo provocado, devo ser ainda manso e pacífico?
Ele:
- Ouvistes que foi dito: olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. (Mt 5,38-39)
E, saindo dali, foram ao templo. Então:
E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um açoite de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: tirai daqui estas coisas. (Jo 2,14-16)
Um seguidor assustado questionou:
- Mas acabaste de ensinar sobre a mansidão e a paz, como entras assim no templo chicoteando pessoas e derrubando seus pertences?
Ele:
- Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca. (Mt 12,34)
Um seguidor:
- Mas, cara, não era para dar a outra face e jamais reagir ao mal?
Ele:
- Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. (Mt 5,25)
Um seguidor:
- Mas tu fizeste isso?
Ele:
- Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus. (Mt 5,48)
Um seguidor:
- Ah, vai à merda...

quinta-feira, 18 de junho de 2015

A guerra religiosa não declarada no Brasil

Onde isso parará?

Os evangélicos estão conseguindo transformar esse País num lugar de ódio, medo, intolerância e discriminação.

O vídeo apresentado no endereço abaixo é uma reportagem do SBT sobre a agressão sofrida por uma menina de 11 anos, executada por homens evangélicos, após sua saída de um culto do candomblé.

E se alguém reagisse e espancasse os crentes agressores? Ah, certamente algum deputado da famigerada bancada evangélica ou um pa$tor bandido qualquer (desses que pregam ódio em canais de TV) sairia a gritar: cristofobia!

O Brasil está em guerra. E é uma guerra entre a razão, o amor e a tolerância democrática contra o ódio, o medo e o fundamentalismo religioso medieval.

E de que lado você está?

http://www.sbt.com.br/jornalismo/noticias/53577/RJ:-Homens-agridem-garota-que-voltava-do-culto-de-candomble.html#.VYLIK_lVhBc

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Luta de classes, e isso existe?

O embate último da eleição brasileira para a presidência da República expôs didaticamente um fenômeno há muito estudado pelas ciências políticas e sociais: a luta de classes.

“Luta de classes, e isso existe? Você ainda se prende a esses conceitos antiquados e sem sentido?”

Pois é, tal qual ocorre com os conceitos de esquerda e direita políticas, é assim que muitos reagem à ideia da luta de classes como explicação dos fatos ocorridos nas sociedades hodiernas, argumentando que tais conceitos ficaram aprisionados no passado e seriam incapazes de explicar o complexo e multifacetado funcionamento social em que vivemos. Pior: há aqueles que simplesmente reduzem a explicação a um rótulo, chamando de “comunistas” os que dela lançam mão.

Entretanto, quando se estuda o fenômeno social a partir dos dados produzidos por determinada sociedade, papel inequívoco das ciências sociais, percebe-se quão adequada é a teoria marxista para tratar e explicar sua dinâmica. E aqui se faz necessária uma brevíssima digressão: há diferença crucial entre os estudos históricos, sociológicos e econômicos de Marx, o marxismo, e sua proposta ideológica de ação social que visava transformar a sociedade em que vivia, o comunismo. Ou, de forma mais clara, quando Marx dizia que preciso seria não apenas compreender o mundo onde vivemos, mas transformá-lo, percebe-se a diferença das propostas: numa, a reflexão, o entendimento, a captura da dinâmica da realidade social a partir de suas estruturas fundantes; noutra, a intervenção, a ação social baseada na compreensão do funcionamento social.

A luta de classes é um conceito que pertence ao que aqui nomeio de marxismo, isto é, uma das estruturas fundamentais para se entender o movimento histórico das sociedades humanas. De todas as sociedades humanas. Com essa estrutura conceitual consegue-se compreender, por exemplo, as grandes mudanças históricas que definiram eras hoje conhecidas como Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, haja vista serem essas grandes transformações resultados do embate entre as classes sociais presentes em cada um desses momentos históricos.

Sem o uso desse conceito basilar, proposto por Marx e Engels a partir da aplicação da dialética hegeliana ao funcionamento social, a explicação da história humana ficaria sem um entendimento claro de suas fases e rupturas. Seria como tentar explicar a queda dos corpos sem o conceito de gravidade proposto por Newton, ou as telecomunicações sem o conceito de campo proposto por Faraday.

Na eleição presidencial brasileira de 2014, a luta entre as classes sociais do capitalismo ficou bastante evidenciada: de um lado assalariados, pobres, minorias reprimidas, assistidos sociais, dentre outros que vendem sua mão de obra para a consecução da mais-valia; do outro, os detentores do capital representados por empresários, ruralistas, banqueiros, especuladores, dentre outros que se sustentam por meio do lucro. E entre eles, u’a massa de indivíduos conduzida por uma imprensa capitalista e interessada diretamente no resultado eleitoral. Não fosse isso, a eleição seria vencida pela esquerda ainda no primeiro turno. Esse contingente de votos é representado por outra categoria marxista fundamental no entendimento da sociedade: a alienação. E aqui não se trata de alienação no sentido dado pelo senso comum, mas como conceito marxista de alienação, carregado de entendimento político e econômico.

Assim se compreende, por exemplo, o ódio rancoroso demonstrado pela imprensa e pelos defensores do capital, mesmo que assalariados (explicação dada pela alienação), durante e após o processo eleitoral. Esse ódio atingiu nordestinos, trabalhadores pobres, assistidos e outras minorias, por conta de sua opção em defender seus legítimos interesses sociais, políticos e econômicos. Uma boa ilustração dessa escolha está na notícia da maior criação de empregos na região nordestina do Brasil e na maior participação percentual da renda oriunda do trabalho na composição do PIB brasileiro (saiu de 39% em 2004 para 45% em 2012). Ou seja, a classe trabalhadora percebe o aumento qualificado de sua participação na dinâmica econômica da sociedade brasileira e vota conscientemente na manutenção dessa política.
 
Do outro lado, afora a participação alienada de assalariados, o que se viu foi a exposição da repulsa pelo compartilhamento de espaços antes restritos aos detentores do capital, como o acesso a aeroportos e universidades, e o rancor pelo rompimento das relações de exploração quase servil do trabalhador mais susceptível, como empregadas domésticas e prestadores de serviços pouco qualificados.

As duas candidaturas que lograram alcançar o segundo turno das eleições representaram esses dois projetos, essas duas classes sociais, essas duas estruturas fundantes da sociedade humana: o capital e o trabalho. De um lado, a continuidade da criação de empregos e da valorização do trabalho na participação da renda nacional; do outro, a preparação da economia para maior exploração do trabalho e lucro do capital, representados pelas ameaças de desvalorização do salário mínimo, de aumento do desemprego para garantir o rentismo e de flexibilização das leis trabalhistas para facilitar a obtenção de lucro à custa da exploração da mais-valia.

Sim, é a luta de classes. E ela existe.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Coração Valente na Bahia

O Brasil é #Dilma13!
Ave Bahia, cheia de graça!
Linda interpretação da música que representa a mudança real.
E na Bahia ficou ainda mais linda!

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O furacão Marina Silva

Impressiona-me a capacidade de desagregação partidária de Marina Silva, deixada como legado aos partidos que a abrigaram. Em 2010, sob a bandeira do PV, após a disputa presidencial, não restou pedra sobre pedra, e o PV até hoje amarga brigas internas que o fizeram retornar à condição de nanico político. Os verdes históricos, como Fernando Gabeira, sequer querem mais saber de disputar cargos eletivos por um partido que se queria sério.

Segue ilustração do problema verde:

Agora, com o PSB, a história se repete. Aquele que já foi um dia um partido de lutas sociais, de bandeiras políticas arrojadas, após a tempestade tropical Marina, tornou-se um arremedo de partido, que se entregou sofregamente ao canto conservador da sereia, negando sua história e envergonhando seus ativistas autênticos. Não é por menos que nomes consagrados do PSB, como a senadora Lídice da Mata (BA), a deputada federal Luíza Erundina (SP) e o presidente do partido Roberto Amaral, indignaram-se com essa postura subserviente do PSB. Até a vereadora do Recife Marília Arraes, prima do ex-presidenciável Eduardo Campos e neta de Miguel Arraes, declarou-se indignada com o apoio à direita dado nacionalmente pelo PSB.

A história é cruel: ou se aprende com ela, ou repetem-se os erros do passado. E Marina conseguiu dividir mais um partido, além de afundar sua reputação de partido de esquerda. Ou alguém duvida do destino do PSB como um PV de 2014?

Ilustrações sobre a derrocada do PSB:

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Democracia, Nordeste e tolerância

Toda eleição presidencial é a mesma coisa: o Nordeste brasileiro não vota como querem os paulistas e, pronto, lá vem uma enxurrada de ofensas racistas e xenófobas. Afora o fato de que a democracia pressupõe exatamente esse combate de ideias, prevalecendo aquela que conseguir mais adeptos, a expressão de ódio e preconceito que se vê nas redes sociais esconde algo mais grave.

As manifestações raivosas que se fizeram representar após o resultado político de ontem trazem uma proposta clara: um golpe à democracia. A não aceitação dum resultado democrático, seja ele qual for, revela um desejo mórbido de se impor pela força, de calar o diferente, de não permitir a expressão legítima do discurso contrário. Esses doentes políticos, que foram vistos nas manifestações de junho de 2013 portando cartazes exaltando a ditadura e a censura, são um risco à democracia.

Lembro-me de Locke, em sua Carta sobre a tolerância, afirmando que a tolerância é uma virtude a ser cultivada, mas que os intolerantes não devem ser tolerados numa sociedade saudável, sob o risco de ruir os princípios do convívio social e democrático. Por conta dessa ideia é que as sociedades civilizadas impõem sanções penais aos preconceituosos e aos propagadores do discurso do ódio. É uma forma de extirpar aqueles que trazem riscos aos princípios mínimos de civilidade e cidadania.

Ou seja, não é democrático tolerar o discurso racista, xenófobo ou homofóbico. Isso deve ser tratado como crime e um golpe mortal à democracia e aos direitos de cidadania. Deve-se tolerar e discutir todo tipo de ideia social, política, econômica ou filosófica, menos aquelas que usurpam, mesmo que implicitamente, o direito alheio de expressão legítima de sua cidadania.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

13 anos de luz

Hoje faz 13 anos que meia dúzia de jovens (alguns nem tanto...) abnegados e cheios de ideais foram pela primeira vez, numa noite chuvosa de terça-feira, às ruas de Salvador para distribuir alimentos a moradores de rua: era 28 de agosto de 2001. Com o passar dos anos, esse grupo cresceu e muitos outros se incorporaram àquela nobre tarefa de alimentar desamparados, que se estendeu por todas as noites das terças-feiras por longos 8 anos. Foram momentos de muito aprendizado e crescimento. De muita doação pessoal de todos, de muito trabalho e de muito amor no que se fazia. Entregávamos na rua sopa, mingau, café, pão e água. E em muitos momentos acrescemos roupas, cobertores e atendimentos médico-odontológicos, propiciados pelos amigos da área de saúde.

E a caravana de carros saía na noite de terça-feira pelas ruas mal iluminadas de Salvador, por bairros e regiões algumas vezes perigosas, mas sempre confiante naquilo que se propunha a realizar. Sim, corremos alguns perigos, mas durante esses 8 anos nada aconteceu com qualquer membro da caravana.

A quantidade de material distribuído pelas ruas soteropolitanas cresceu e precisamos encontrar um local para organizar as tarefas e preparar os alimentos. Assim, diante da necessidade e com a colaboração de todos, conseguimos um local para o trabalho.

Com o conhecimento que passamos a ter das pessoas de rua, mantivemos contatos com suas famílias e estendemos o trabalho social ainda mais, entregando cestas básicas mensais a todas as famílias que conhecemos. Trabalho que era feito num sábado por mês, pela manhã, na sede do grupo, que incluía palestras de apoio social sobre saúde, higiene, direitos etc.

Os anos se passaram, e a dinâmica da vida nos levou para lugares e tarefas distintas. É o processo normal da vida social. O trabalho, em algum momento, teve de acabar. Conseguimos ajudar muita gente. Mas nos ajudamos ainda mais, pois todos saímos dessa etapa de nossas vidas um pouco mais humildes, mais autênticos e mais tolerantes com o outro.

Nesse dia de recordações doces que me vêm à memória, quero agradecer a todos os amigos que cultivei durante esse trabalho social: vocês, irmãos, são também responsáveis pelo que hoje sou. Aos atendidos, agradeço profundamente a oportunidade que me deram de me conhecer melhor e de ser também uma pessoa um pouco melhor, pois suas dor e dificuldade me fizeram compreender mais a realidade em que vivemos.

Hoje eu queria, em agradecimento, comemorar com todos. Mas aqui, na solidão do Planalto Central, eu apenas lembro e fico a rir sozinho daquelas terças-feiras maravilhosas!

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Por que #SOUDILMA - 3

Até entendo, mas não aceito, quando ouço ou leio um membro das classes mais abastadas se queixando dos governos populares do PT: é apenas rancor e sensação de perda de privilégios. Mas nunca entenderei as críticas que partem das camadas mais populares e trabalhadoras às políticas de inserção social e distribuição de renda promovidas pelos governos de esquerda. Aliás, talvez até entenda...

Os números são sempre cruéis em relação aos anos FHC (PSDB), como mostra o gráfico apresentado. FHC, e seu governo de elite, aumentou o número de pessoas em estado de pobreza em 4%, enquanto o governo Lula (PT) reduziu esse número em 36%! A comparação entre os governos de esquerda e de direita é uma covardia!

O mais surpreendente é ver pessoas, que se imaginariam racionais, babando seu ódio contra o PT e contra as políticas de redução de pobreza, por conta da corrupção, como se ela fosse uma exclusividade de um partido ou de um grupo político. Em vez de lutarem contra a corrupção em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal), preferem jogar fora as conquistas desses 12 anos de políticas sociais por conta da sua “raivinha” pouco elaborada cognitivamente...


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