O embate último da eleição brasileira para a presidência
da República expôs didaticamente um fenômeno há muito estudado pelas ciências
políticas e sociais: a luta de classes.
“Luta de classes, e isso existe? Você ainda se prende
a esses conceitos antiquados e sem sentido?”
Pois é, tal qual ocorre com os conceitos de esquerda
e direita políticas, é assim que muitos reagem à ideia da luta de classes como
explicação dos fatos ocorridos nas sociedades hodiernas, argumentando que tais
conceitos ficaram aprisionados no passado e seriam incapazes de explicar o
complexo e multifacetado funcionamento social em que vivemos. Pior: há aqueles
que simplesmente reduzem a explicação a um rótulo, chamando de “comunistas” os
que dela lançam mão.
Entretanto, quando se estuda o fenômeno social a partir
dos dados produzidos por determinada sociedade, papel inequívoco das ciências sociais,
percebe-se quão adequada é a teoria marxista para tratar e explicar sua
dinâmica. E aqui se faz necessária uma brevíssima digressão: há diferença
crucial entre os estudos históricos, sociológicos e econômicos de Marx, o
marxismo, e sua proposta ideológica de ação social que visava transformar a
sociedade em que vivia, o comunismo. Ou, de forma mais clara, quando Marx dizia
que preciso seria não apenas compreender o mundo onde vivemos, mas
transformá-lo, percebe-se a diferença das propostas: numa, a reflexão, o
entendimento, a captura da dinâmica da realidade social a partir de suas
estruturas fundantes; noutra, a intervenção, a ação social baseada na
compreensão do funcionamento social.
A luta de classes é um conceito que pertence ao que
aqui nomeio de marxismo, isto é, uma das estruturas fundamentais para se
entender o movimento histórico das sociedades humanas. De todas as sociedades
humanas. Com essa estrutura conceitual consegue-se compreender, por exemplo, as
grandes mudanças históricas que definiram eras hoje conhecidas como Antiguidade,
Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, haja vista serem essas
grandes transformações resultados do embate entre as classes sociais presentes
em cada um desses momentos históricos.
Sem o uso desse conceito basilar, proposto por Marx
e Engels a partir da aplicação da dialética hegeliana ao funcionamento social, a
explicação da história humana ficaria sem um entendimento claro de suas fases e
rupturas. Seria como tentar explicar a queda dos corpos sem o conceito de
gravidade proposto por Newton, ou as telecomunicações sem o conceito de campo
proposto por Faraday.
Na eleição presidencial brasileira de 2014, a luta entre
as classes sociais do capitalismo ficou bastante evidenciada: de um lado assalariados,
pobres, minorias reprimidas, assistidos sociais, dentre outros que vendem sua
mão de obra para a consecução da mais-valia; do outro, os detentores do capital
representados por empresários, ruralistas, banqueiros, especuladores, dentre
outros que se sustentam por meio do lucro. E entre eles, u’a massa de indivíduos
conduzida por uma imprensa capitalista e interessada diretamente no resultado
eleitoral. Não fosse isso, a eleição seria vencida pela esquerda ainda no
primeiro turno. Esse contingente de votos é representado por outra categoria marxista
fundamental no entendimento da sociedade: a alienação. E aqui não se trata de
alienação no sentido dado pelo senso comum, mas como conceito marxista de
alienação, carregado de entendimento político e econômico.
Assim se compreende, por exemplo, o ódio rancoroso
demonstrado pela imprensa e pelos defensores do capital, mesmo que assalariados
(explicação dada pela alienação), durante e após o processo eleitoral. Esse
ódio atingiu nordestinos, trabalhadores pobres, assistidos e outras minorias,
por conta de sua opção em defender seus legítimos interesses sociais, políticos
e econômicos. Uma boa ilustração dessa escolha está na notícia da maior criação
de empregos na região nordestina do Brasil e na maior participação percentual da
renda oriunda do trabalho na composição do PIB brasileiro (saiu de 39% em 2004
para 45% em 2012). Ou seja, a classe trabalhadora percebe o aumento qualificado
de sua participação na dinâmica econômica da sociedade brasileira e vota
conscientemente na manutenção dessa política.
Do outro lado, afora a participação alienada de
assalariados, o que se viu foi a exposição da repulsa pelo compartilhamento de
espaços antes restritos aos detentores do capital, como o acesso a aeroportos e
universidades, e o rancor pelo rompimento das relações de exploração quase
servil do trabalhador mais susceptível, como empregadas domésticas e prestadores
de serviços pouco qualificados.
As duas candidaturas que lograram alcançar o
segundo turno das eleições representaram esses dois projetos, essas duas
classes sociais, essas duas estruturas fundantes da sociedade humana: o capital
e o trabalho. De um lado, a continuidade da criação de empregos e da valorização
do trabalho na participação da renda nacional; do outro, a preparação da
economia para maior exploração do trabalho e lucro do capital, representados
pelas ameaças de desvalorização do salário mínimo, de aumento do desemprego
para garantir o rentismo e de flexibilização das leis trabalhistas para
facilitar a obtenção de lucro à custa da exploração da mais-valia.
Sim, é a luta de classes. E ela existe.
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