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sábado, 24 de fevereiro de 2018

Divaldo, a liberdade e a censura à crítica

“A crítica se torna, assim, elemento básico da filosofia e da prática espírita. Mas é evidente que deve ser exercida por pessoas que tenham condições de cultura e bom-senso para criticar”.

“Sem crítica não há correção de erros, não há renovação de conceitos nem abertura de perspectiva para evolução”.

J. Herculano Pires

A filosofia moderna, surgida no bojo das transformações econômicas e sociais do período da renascença, legou-nos valores e saberes que se tornaram referências ao pensamento e à prática contemporâneos.

Uma das mais importantes mudanças na postura desse homem moderno, renascentista, em relação ao conhecimento foi o questionamento do argumento de autoridade, muito comum em épocas anteriores. Descartes, marco imperativo desse momento, propõe a dúvida a tudo e a todos como etapa necessária a qualquer tentativa de construção gnosiológica. Mas são os pensadores iluministas que concluirão esse caminho árduo propondo, a partir dessa nova postura e centrando todo o esforço nos valores humanos, uma sociedade mais livre, laica e plural, inaugurando então o mundo contemporâneo.

Faço essa introdução breve para comentar o texto do médium baiano Divaldo Franco publicado no Jornal A Tarde, de Salvador, BA, no dia 22 de fevereiro de 2018. O texto trata, evidentemente, das muitas críticas recebidas pelo autor após sua confusa resposta a um jovem, que o perguntou sobre “ideologia de gênero”, num evento ocorrido em Goiânia, GO, no dia 13 de fevereiro de 2018.

O texto de Divaldo Franco publicado no Jornal A Tarde está aqui:
http://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/artigos-espiritas/liberdade-de-consciencia/

Abstive-me de comentar o conteúdo de sua fala no referido evento, e assim pretendo continuar fazendo, por conta da inesperada associação, feita por Divaldo Franco, de questões políticas ao tema proposto pelo jovem. O que aqui faço é apenas comentar a contrarreação do famoso médium às críticas recebidas.

O autor começa seu texto colocando-se como vítima dos “cerceadores da liberdade dos outros”, sendo os “outros” identificados como aqueles que discordam de seu pensamento (“quando as ideias apresentadas não obedecem aos seus padrões de pensamento e de conduta”).

Retornei às críticas feitas às ideias do médium, e que estão disponíveis na rede virtual de informações, e não consegui identificar a qual ele se refere, uma vez que nenhuma das que tive acesso propõe calá-lo ou cercear sua liberdade de opinião. Ou o autor se refere a alguma crítica bem específica que não vi ou li, ou parece que confundiu alhos com bugalhos. Afinal, é preciso, no trato dialógico, não confundir crítica com censura.

Adiante, acusa seus críticos de não dialogar com ideias, mas com insultos de ordem pessoal, e de perseguir “os idealistas”, grupo ao qual se inclui e, obviamente, exclui seus críticos. Aqui também vale a ressalva que nas reações mais divulgadas à sua fala não houve ataque pessoal à figura do indivíduo Divaldo Franco, mas críticas contundentes ao seu pensamento. Parece que o médium não leu ou viu as críticas recebidas, tornando sua queixa infundada.

No mais, é no texto proposto como contrarreação que o autor vocifera ad hominem, reagindo de forma pessoal contra seus críticos, usando adjetivos à mancheia: rudes, agressivos, insanos, intimidadores, arrogantes, temerários, perseguidores, invejosos e despeitados. Talvez tenha esquecido um ou outro, diante da sua profusão.

Acho que Divaldo perdeu uma ótima oportunidade de argumentar sobre as críticas recebidas, preferindo, em vez disso, atacar aqueles que com ele não concordam. Mas isso é um direito seu.

E é também um direito seu inalienável, e disso ninguém discorda, escolher um lado político e defender publicamente essa opção; nutrir determinados valores morais e fazer deles sua pregação; crer e praticar sua fé livremente; pensar e expressar seu pensamento.

O problema é achar que seu pensamento não deve e não pode receber críticas, considerando-se um “grande líder perseguido” sempre que alguém argumentar contra suas ideias. Esse tipo de argumento é anterior à luz do modernismo e do iluminismo filosóficos, e retoma a ideia medieval da autoridade do “líder” ou do “idealista” como verdade inquestionável. A crítica também é um direito inalienável e compõe o quadro do direito às liberdades de consciência e de expressão, o que parece ter esquecido o médium em seu texto.

E, para ilustrar sua defesa, o autor cita um pensamento atribuído a Voltaire, não se apercebendo, porém, que a citação inicia afirmando o desacordo entre as ideias, portanto sem dispensar a crítica, defende a liberdade de expressão. É preciso estar pronto para receber críticas sempre que se expõem ideias, sob o risco de parecer inapto ao diálogo aberto e maduro.

Não se pode olvidar que as adjetivações pessoais na troca de ideias, tão profícua no texto do famoso baiano, é uma vã tentativa de diminuir seus interlocutores, impondo-se como autoridade e liderança a ser seguida, objetivando calar o oponente de ideias. Isso sim pode-se chamar de censura.

Aliás, Divaldo poderia ouvir mais os jovens com quem estava no referido evento, pois isso nos ensinam de forma simples: “não sabe brincar, não desce ao play”.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Divaldo, a "ideologia de gênero" e a reação progressista

Num evento espírita promovido pela Federação Espírita de Goiás (FEEGO), Divaldo Franco, o famoso médium e orador espírita baiano, participou no dia 13/02/2018 de uma sessão de perguntas e respostas com jovens. No referido evento, um jovem pergunta a Divaldo:

“O que dizer sobre a ‘ideologia de gênero’?”

E eis a resposta, um tanto quanto confusa, mas é a resposta:

“É um momento de alucinação psicológica da sociedade.
[...]
Haroldo disse, em síntese, que se trata de um momento muito grave da cultura social da Terra e que é, naturalmente, algo que deveremos examinar em profundidade, mesmo porque nós vamos olhar a criança, graças à sua anatomia, como sendo o tipo ideal. E a criança nesse período não tem discernimento sobre o sexo. A tese é profundamente comunista, e ela foi lançada por Marx, sob outras condições. Que a melhor maneira de submeter um povo não era escravizá-lo economicamente, era escravizá-lo moralmente, como nós vemos através de vários recursos que têm sido aplicados no Brasil nos últimos 9 anos, 10, em que o poder central tem feito todo esforço para tornar-se o patrão de uma sociedade em plena miséria econômica e moral. Porque os exemplos de algumas dessas personalidades são tão aviltantes e tão agressivos que se constituíram legais e, porém, nunca morais. Todas essas manifestações que estamos vendo, graças à “República de Curitiba”, cujo presidente é o doutor Moro, e deve ser o desnudar da hipocrisia e da criminalidade. Aliás, o evangelho recomenda que não deveremos provocar o escândalo, e o nosso venerando juiz não provocou escândalo, atendeu a uma denúncia muito singela e, no entanto, levantou o véu que ocultava crimes hediondos, profundos, desvios de dinheiro que poderia acabar no Brasil com a tuberculose, com as enfermidades que vêm atacando recentemente, poderia educar toda a população e dar-lhe o que a nossa Constituição exige: trabalho, repouso, dignidade, cidadania. Mas, determinados comportamentos de alguns do passado muito próximo estabeleceram o marxismo disfarçado e a corrupção sob qualquer aspecto como princípio ético. A teoria de gênero é para criar na criança, no futuro cidadão, a ausência de qualquer princípio moral. Uma criança não sabe discernir, somente tem curiosidade. No mesmo banheiro, um menino e uma menina irão olhar-se biologicamente, sorrir e perguntar o de que se tratava aquele aparelho genésico que é desconhecido. E então nós defendemos repudiar de imediato e apelar para aqueles em quem nós votamos, somos responsáveis, e gritar para eles que somos contra, totalmente contra essa imoralidade ímpar. Vão me perdoar uma blasfêmia agora para adultos, os espíritas somos muito omissos. No nome falso e na capa da humildade achamos que tudo está bem, mas nem tudo está bem. É necessário que nós tenhamos voz. O apóstolo Paulo jamais silenciou ante o crime e a imoralidade. E Jesus muito menos, ele deu a César o que era de César, mas não deixou de dar a Deus o que é de Deus. Muitas aberrações nós silenciamos, afinal, disfarçadamente, vivemos numa república democrática. Os nossos representantes lá chegaram pelo nosso voto. Já está na hora de acabar de votar por uma alpercata japonesa, já está na hora de deixar de votar por causa do emprego que vai dar ao nosso filho, pensarmos na comunidade, uma comunidade justa não faltará emprego para todos, uma sociedade justa de homens de bem, de mulheres dignas, naturalmente estabelecerá as leis de justiça e de equidade, então nós evitaremos essas aberrações: o aborto provocado, esse crime hediondo, que está sendo tentado tornar-se legal. Por mais que seja legal, nunca será moral. Não somos contra quem aborta por essa ou aquela razão, falamos em tese: matar é crime, seja qual for a aparente justificativa. E agora, com a tese de gênero, estamos indiferentes, e de um momento para outro, pela madrugada, nossos dignos representantes adotam. Falávamos ontem a respeito de cartilhas do Ministério da Educação depravadas, para corromper as crianças, e que as escolas estão devolvendo ao Ministério. Que Ministério da Educação é esse? Que estabeleça fatos. Deu uma indignidade muito grande. Os pais devem vigiar os livros de seus filhos e, naturalmente, recusarem. Nós temos o direito de recusar, nós temos o dever de recusar. Victor Hugo já nos falava há mais de 150 anos: ‘o grande pecado é a omissão’. E Kardec nos falou que não era nobre apenas não fazer o mal, porque não fazer o bem é um crime muito grande. E então precisamos ser mais audaciosos, espíritas definidos, termos opinião. A doutrina nos ensina, e para os jovens, eu direi que há uma ética, liberdade, o sexo é livre, livre sim, mas ele não tem a liberdade de indignificar a sociedade. Poderemos sim exercer o sexo, é uma função do corpo e também da alma, mas com respeito e com a presença do amor. Portanto, a teoria de gênero, jamais!”


Um grupo de 65 espíritas, autodenominados progressistas, elaborou o seguinte manifesto, em reação às esdrúxulas declarações de Divaldo:

"Espíritas progressistas respondem à entrevista coletiva de Divaldo Franco e Haroldo Dutra no congresso de Goiás:

Espíritas que somos, os abaixo-assinados, tornamos pública a nossa desaprovação a diversas opiniões que foram expostas no vídeo que circulou essa semana nas redes sociais, e que depois foi retirado do Youtube. Declaramos que elas não nos representam e não representam o espiritismo, pois são apenas opiniões pessoais de seus autores, e que, em nosso entender, carecem de fundamento teórico e científico.

Aliás, médiuns e oradores não têm autoridade para falar em nome do espiritismo. Ninguém tem essa autoridade, nem mesmo instituições federativas. O espiritismo é uma ideia livre, cuja maior referência é Kardec, mas cujos livros também não podem ser citados como bíblia. Para manifestarmos ideias e posições do ponto de vista espírita, segundo a própria metodologia proposta por Kardec, temos de dialogar com a ciência de nosso tempo, usar argumentos racionais e adotar de preferência posturas que estejam de acordo com os princípios básicos da ética espírita, que são os da liberdade de consciência, amor ao próximo, fraternidade, entre outros.

O movimento espírita brasileiro está longe da unanimidade em todos os temas, sobretudo os que se referem a questões contemporâneas e, por isso, é importante delimitar as posições, para deixarmos claro que declarações como as que foram feitas neste vídeo não representam o espiritismo.

Dessa forma, rebatemos alguns pontos da referida entrevista:

1) Divaldo referiu-se à República de Curitiba e a seu suposto “presidente”, Sérgio Moro. Não existe uma República de Curitiba, pois segundo nossa Constituição só há uma República a ser reconhecida em nosso território, e é a República Federativa do Brasil. E a referência a um juiz federal de primeiro grau como o Presidente desta acintosa República é um grave desrespeito ao Estado, à nação brasileira, atribuindo a tal república poderes inexistentes em nossa Constituição. Além dessa nociva postura marcadamente messiânica e de culto à personalidade, pode dar a entender que o restante do povo brasileiro não presta e que não há pessoas boas espalhadas pelo Brasil dando o melhor de si.

2) Divaldo chama esse mesmo juiz de “venerando” – o que é altamente questionável, dadas as críticas de grandes juristas nacionais e internacionais à parcialidade desse juiz e a seus atos de ilegalidade, que feriram a Constituição, e às notícias que correm na mídia de seu conluio com determinados segmentos e partidos.

3) Divaldo assume uma postura claramente partidária, contrária ao PT – o que é de seu pleno direito, mas nunca em nome do espiritismo – fazendo, porém, uma crítica rasa, com uma miscelânea conceitual, chamando o governo desse partido de marxista e assumindo um discurso próprio da polarização extremista, manipulada e sem consistência que invade nossas redes sociais e nossa vida política, contribuindo para os momentos de incertezas e de medos em que vivemos.

4) Há uma fala extremamente problemática que se refere à chamada “ideologia de gênero”. Não existe “ideologia de gênero” – este é um termo criado por setores fundamentalistas da Igreja Católica e depois adotado pelas Igrejas Evangélicas. Existe sim uma área de pesquisa no mundo que se chama “Estudos de Gênero” – que teve influência de Michel Foucault, Simone de Beauvoir e Judith Buttler. Os “Estudos de Gênero” se dedicam a procurar entender como se constitui a feminilidade e a masculinidade do ponto de vista social, se debruçam sobre questões de orientação sexual, hetero, homo, transsexualidade – ou seja, todos fenômenos humanos, que estão diariamente diante de nossos olhos. Podemos concordar com algumas dessas conclusões, discordar de outras, deixar em suspenso outras tantas. Esse olhar é muito recente na história e ainda estamos apalpando questões profundas e complexas – e em nosso ponto de vista espírita, não é possível ter plena compreensão delas sem a chave da reencarnação. Uma abordagem puramente materialista jamais vai dar conta do pleno entendimento do psiquismo humano. Mas estamos muito longe de ter gente reencarnacionista competente, fazendo pesquisa séria, para dialogar com pesquisadores com abordagens meramente sociológicas ou psicológicas. Então, nós espíritas, não temos ainda melhores respostas que os outros e não podemos, por cautela, seguir a cartilha dos setores conservadores mais radicais de generalizar esses estudos sob o termo, usado aqui pejorativamente, de ideologia, para desqualificá-los como “imoralidade ímpar”. Parece-nos que uma dose de humildade científica, prudência filosófica e bom-senso faria bem a todos nesse ponto, especialmente quando o domínio sobre os corpos e a sexualidade sempre foi um ponto central para as religiões ocidentais.

5) Divaldo revela também completo desconhecimento dessa área de estudos de gênero, alinhando-a ao marxismo e ao comunismo. As grandes lideranças desses estudos estão nos Estados Unidos e na Europa. Aliás, os estudiosos desse tema encontram-se em diversas correntes de pensamento, desde marxistas até pós-modernos de diferentes matizes e até liberais. Ao fazer isso, mais uma vez, mostra a adesão a um discurso pronto, midiático, que ressoa nos setores evangélicos e católicos mais radicais, que primam por taxar qualquer ideia ou debate que lhes desagrade com o termo “comunista” – um grande espantalho generalizante, simplista e esvaziado de sentido, mas que tem sido eficaz, ao longo dos tempos, para dar forma a medos sociais e, assim, orientar o ódio e o ressentimento das pessoas contra certos alvos.

Por fim, deixamos aqui as seguintes afirmações:

• Nenhum médium ou orador pode falar em nome de todos os espíritas ou em nome do espiritismo. Isso é, por si só, desonestidade intelectual;

• Quando um espírita, sobretudo se tem influência sobre a comunidade, manifesta uma ideia ou uma opinião, tem por dever se informar sobre os temas de que está falando, usar referências confiáveis e estar em consonância com a lógica, com a ciência e com o bom senso.

• Deve também, preferencialmente, defender os direitos dos mais fragilizados socialmente, no caso, as mulheres, as crianças, os membros da comunidade LGBT+, que são objeto dessas discussões dos estudos de gênero, justamente por estarem vulneráveis a todo tipo de violência e desrespeito em nossa sociedade, além dos negros e negras, as juventudes periféricas e as pessoas com deficiência.

• Não deve alimentar discursos de ódio partidário e nem medidas punitivas contra quem quer que seja: nossa bandeira é a da educação, da fraternidade entre todos e da paz, comprometidos com a democracia, a justiça social e a regeneração da sociedade."

domingo, 30 de abril de 2017

VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita

Acontecerá em Salvador, BA, entre os dias 26 e 28 de maio de 2017, o VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita.

Abaixo, texto extraído da página do evento:

Estarei lá!
VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita
CEPABrasil - ​Salvador-BA - 2017

Nos dias 26 a 28 de maio deste ano de 2017, o Teatro Espírita Leopoldo Machado - Telma realizará em sua sede, na cidade de Salvador-BA, o VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita, evento promovido pela CEPABrasil - Associação Brasileira de Delegados e Amigos da CEPA - Associação Espírita Internacional.

A CEPA, que teve como um de seus primeiros delegados no Brasil o pesquisador Carlos Bernardo Loureiro, fundador e presidente de honra do Telma, encontra em Salvador um centro espírita com profunda identidade de pensamento.

Os participantes do FLPE, que virão de várias cidades, debaterão temas espíritas sob a perspectiva do pensamento laico, progressista e livre-pensador, que marca a CEPA e o Telma.

O evento também contará com palestrantes baianos consagrados, inclusive membros de diversas instituições espíritas e da Federação Espírita do Estado da Bahia (FEEB), que realizarão debates de alto nível sobre convergências e divergências no entendimento do Espiritismo e seus caminhos éticos. Participe!


Para maiores informações:
http://www.telma.org.br/viii-forum-do-livre-pensar-espirita.html

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Espiritismo e política - II

Minha experiência em casas espíritas, e já é uma longa experiência, contada em décadas e muitas casas diferentes, mostra que o tema política costuma não ser muito bem vindo em palestras e estudos internos. O que é uma pena.

Há duas justificativas mais comuns para essa proibição implícita: uma é que o espiritismo não deve imiscuir-se em política partidária por pretender um discurso universal, portanto não deve tratar de política em suas atividades; outra é a crença que a discussão política leva à dissensão, quebrando a harmonia necessária às atividades da casa ou do grupo, focadas no atendimento a carências diversas.

Bem, penso que as duas justificativas são insustentáveis e ilustram um comportamento mais prejudicial do que construtivo. Mas as enfrentemos.

Sem dúvida, o maior objetivo das propostas espíritas é a transformação interior do homem, que significa a transformação de seus sentimentos, de suas atitudes e de seus pensamentos. Lutar contra o orgulho e o egoísmo que impedem nosso crescimento como indivíduos e cidadãos resume bem a proposta de Jesus transcrita nas obras kardecistas.

Mas como realizar a transformação pessoal sem a necessária convivência com o outro? Afinal, é justamente na convivência em sociedade que conseguimos expressar nossos sentimentos, praticar nossas atitudes e burilar nossos pensamentos. A comparação do homem em sociedade com o lapidar da pedra em contato com outras é bem ilustrativo do processo de transformação interior do indivíduo: só conseguimos melhorar a partir da convivência, do contato, do conflito com o outro. Ou, de outra forma, só mudamos a partir da experiência social com o outro. Isso significa que toda meditação, oração e estudo de nada servirão se não conseguirem mudar nossas posturas com o outro.

Nossas experiências sociais iniciam-se em família e transbordam para grupos cada vez maiores no nosso processo de amadurecimento. E em todos esses grupos precisamos colocar em prática nossa opção de ser espírita: empatia, caridade, compreensão e respeito. E saber viver em grupos sociais, buscando o melhor para nós e para todos é o que se pode traduzir muito bem como política. Portanto, fazemos política o tempo todo em nossas relações sociais. Fazemos política na família, no condomínio, na escola, no trabalho, na casa espírita, em qualquer lugar, pois fazer política é justamente buscar conviver bem nos grupos sociais a que pertencemos. E por que não podemos estender essa busca pela melhoria de nossos grupos relacionais à dimensão do nosso bairro, da nossa cidade ou da nossa nação?

Será que discutir nossas posturas em família causa dissensão? Se não, por que discutir nossas posturas na cidade causariam? Viver na cidade é ser cidadão e a casa espírita precisa discutir a cidadania. E isso é política da melhor qualidade! O espaço de discussão do espírita é a casa espírita por excelência e ela não se pode furtar a esse papel. Educar e orientar o cidadão são auxiliá-lo em seu processo de transformação pessoal, é ser espírita na melhor acepção da palavra.

Limitar a discussão política à discussão da política partidária é reduzir o papel da política em nossas vidas. Isso não quer dizer que não se pode também enfrentar esse tema, haja vista a nossa necessidade de dialogar sobre as questões da cidade, e que essas questões podem resvalar, algumas vezes, em questões partidárias. Mas outra coisa bem diferente da discussão partidária, e de candidaturas para cargos eletivos, é a discussão sobre ideologias e suas formas de enfrentamento dos problemas da cidade. Penso que o diálogo ideológico é essencial até para o bom entendimento dos discursos políticos, das notícias e dos fatos cotidianos que nos alcançam. E dialogar sobre ideologias e suas formas de entender o mundo não é doutrinar, é educar, portanto crescermos como indivíduos e melhor nos preparar para a atuação em sociedade.

Quanto à questão da manutenção da harmonia do ambiente da casa espírita como justificativa para a vedação do diálogo político interno, penso que são tantas as questões que causam desarmonia entre pessoas, que não seria esse o problema. Em verdade, não é o tema política que causa desarmonia, mas a situação emocional e mental dos indivíduos, pois nos desarmonizamos em qualquer situação que toque em ferida aberta ou melindre guardado. Se o tema em questão leva à desarmonia, é uma ótima oportunidade para o trabalho na casa espírita, pois temos a oportunidade de enfrentar um ponto que mexe na nossa paz e na nossa tranquilidade. Ora, não é esse justamente o papel da casa espírita? Deixaremos então de atender indivíduos, encarnados ou não, que exibem comportamento desajustado porque pode causar desarmonia? Como se vê, discutir política deveria ser como dialogar sobre qualquer questão, incluindo nossos problemas mais incômodos, como aqueles que nos tiram do sério e expõem nossas severas dificuldades emocionais e relacionais.

Sei que esse tema ainda é grande tabu nas casas espíritas, mas é preciso enfrentá-lo para conseguirmos superar esse obstáculo e tratar a política como parte da nossa formação integral.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Espiritismo e política - I

Primeiramente, devo reconhecer o valioso esforço pessoal de alguns espíritas na consecução de determinados objetivos de assistência e promoção sociais. A criação de obras sociais, algumas grandiosas, que visam a auxiliar indivíduos e famílias em situação de risco social é algo a ser enaltecido e louvado.

Esses indivíduos, e conheço alguns muito proximamente, grosso modo, possuem caráter exemplar e vontade carregada de energia criativa. Mas há outra característica que gostaria de aqui destacar: o empreendedorismo. Essas pessoas, que dedicam parte de sua vida – e alguns toda a sua vida! – a amparar, proteger e cuidar de outras pessoas de forma voluntária, foram capazes de construir escolas, hospitais, asilos, creches e outros instrumentos, por meio da liderança de grupos de indivíduos para a realização dum sonho. Enxergaram um objetivo, agregaram outras pessoas para compartilhar metas, construíram mecanismos para a obtenção dos recursos necessários, lideraram a execução das tarefas e empenharam muito esforço no acompanhamento dessa realização.

Mostraram, com os resultados alcançados, que, além de indivíduos com um imenso coração, são administradores de qualidade e ótimos gestores de projetos.

Mas, e sobre os resultados? Quantas pessoas ou famílias são atendidas numa instituição qualquer de um desses casos de sucesso de acolhimento social? Bem, eu conheço algumas obras grandiosas, e a quantidade de pessoas atendidas chega à casa dos milhares. Um sucesso, se analisado apenas pelo resultado objetivo, pois aos atendidos restou a oportunidade ofertada de mitigar uma difícil situação social ou pessoal.

Não obstante o sucesso no atendimento a tantos indivíduos na mais grandiosa das obras sociais que se possa citar, a quantidade de pessoas atingidas sequer arranha o tamanho do problema social em que vivemos, haja vista a desigualdade social extrema, a precariedade crônica no atendimento à saúde e à educação e ao drama da renda miserável a que se submete a maioria da população.

Posso aqui citar a frase atribuída à madre Tereza de Calcutá:

“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.”

Sim, seria menor, mas numa proporção insignificante diante da imensidão do problema. O que me leva a pensar que as características já relatadas desses indivíduos empreendedores seriam mais bem aproveitadas se canalizadas para a busca de soluções em escala mais apropriada à dimensão do problema. Ou seja, em vez de construir uma escola ou um hospital, gastando esforços, capacidades e recursos valiosos, onde serão atendidas apenas poucas pessoas, por que não construir muitas escolas e hospitais? Ou administrar melhor os que existem? Em vez de mitigar o problema de algumas famílias, por que não os buscar solucionar para muitas famílias?

De que falo? Ora, de política! Esses indivíduos seriam o crème de la crème, o melhor que se poderia esperar dum político num país tão cheio de carências sociais e morais. Pensem num desses espíritas que construíram uma obra social grandiosa, que atendem a um sem-número de famílias. Agora, imaginem-no prefeito de sua cidade, governador de seu estado ou presidente desse país, propondo e executando políticas sociais consistentes. Ou mesmo vereador, deputado ou senador, legislando sobre os graves problemas que enfrentamos.

Teríamos então homens de caráter e coração bondoso, com visão social aguçada e forte espírito empreendedor, lutando para superar nossos abismos sociais e vencer nossas chagas morais. Penso que a política seria seu local de trabalho por excelência. Afinal, são talentos. E talentos que precisam ser direcionados para o melhor resultado.

A contradita se poderia fazer por meio da criminalização da atividade política, como sói acontecer, jogando todos os seus partícipes na mesma lama suja que hoje enxergamos. Mas, nesse ponto, tem-se outro problema: a política não é uma forma de resolver as questões da sociedade, é a única forma. E se não nos esforçarmos para mudar o perfil de nossos representantes políticos, nossos problemas jamais serão resolvidos a contento. Já não seria, então, a hora de olharmos a política de forma mais madura? Será que a crise moral e política que hoje percebemos não seria capaz de mudar nossa forma de participação? Afinal, se os políticos hoje nos envergonham, lá estão porque foram votados não por uma entidade mágica, mas por nós eleitores.

Aqui falo para espíritas, mas o mesmo se poderia dizer de qualquer outro segmento social com características similares: probidade comprovada, desejo de fazer o bem e forte espírito empreendedor. E isso para deixar claro que não apoio nenhum espírita por ser espírita, mas homens e mulheres que se enquadrem nessas características.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Chiquismo: a doença infantil do espiritismo

Por Randolfo*

O título é uma paródia a uma grande obra de crítica ao esquerdismo em detrimento do socialismo. E também nem guarda real proporção, pois o espiritismo não gera nenhuma doença - os espiritualistas que se dizem espíritas é que fazem isso.

Temos observado a derivação do movimento dito "espírita" no Brasil na direção contrária às recomendações da codificação e mesmo às particulares de Kardec. O espiritismo no Brasil não se orienta, na prática, pelas obras codificadoras e sim pelas obras de um único autor - Chico Xavier.

Infelizmente, esse autor não prezou pelos aspectos científicos ou filosóficos do espiritismo, preferindo enveredar por um caminho roustanguista fácil, o do religiosismo místico. E como a FEB privilegiou esse autor que tão bem serviu aos seus propósitos (vide Conscientização espirita, de Gélio Lacerda).


Nós temos um companheiro que costuma dizer que o problema não é o que se lê e sim o que se faz com o que se lê. A derivação religiosista, visando implementar uma verdadeira instituição religiosa no meio espírita, é mais fácil de ser seguida e compreendida, pois não requer maiores reflexões, tanto como também não estimula investigações, aferições. Mas, a culpa é de quem lê e não compara com a codificação, pois a codificação tem "linguagem difícil", ou é "muito complicada", nos dizeres de muitos que se dizem "espíritas".

Foi instituída, então, uma ditadura no meio espírita - o "chiquismo". É uma ditadura, pois foi massificada e assimilada pela maioria e absolutamente quase não há fóruns de debate sobre ela. Nota-se: em lugar NENHUM, seja congresso, seminário, simpósio que seja "espírita", abre-se espaço para se questionar NENHUMA obra de Chico Xavier. Muito pelo contrário - quem contesta esse autor é segregado, atacado e humilhado.

Não há como deixar de avaliar que o chiquismo possui instrumentos próprios para sua manutenção: tem base literária, coerência com seus princípios místico-religiosos e uma vasta rede de instituições, tanto como editoras e mídia que o suporta.

Conforme verificamos que o eixo de compreensão do espiritismo, segundo esse movimento, move-se exclusivamente na direção das obras de Chico Xavier e considerando o detrimento em que passa a se situar a codificação espírita, tanto quanto as claríssimas contradições existentes, eis que temos, agora, de fato, a instituição de uma religião. Mas, não se chama espiritismo, pois não se torna uma religião o que não se é.

Inaugura-se no Brasil o "chiquismo", uma religião sincrética, que por mera questão de marketing intelectual assume as feições do espiritismo, sem o ser.

Nota-se que mesmo os autores que seguem essa tendência são sempre ofuscados pela pressão desse grupo, que substituiu Roustaing (que a maioria estranhamente alega nem conhecer...) por Chico Xavier. Kardec ficou absolutamente em segundo plano.

Nota-se como no meio espírita se homenageia o citado autor, como se lhe enchem de julgamentos morais, enquanto o codificador do espiritismo jaz esquecido. Nunca é citado como exemplo moral (alguém mais notou isso?), nunca é citado como exemplo intelectual (também se notou isso?). Aliás, Kardec nunca é citado como modelo de espírita. Para os chiquistas, modelo de espírita é quem contradisse o espiritismo: Chico Xavier.

Nós, defensores do espiritismo, precisamos amadurecer e aceitar os fatos: há uma religião, ela é majoritária e o culto à personalidade é preponderante. E não se pode ignorar a comparação com os iniciantes anos do cristianismo: os ensinamentos de Jesus foram logo deturpados e ele, que não fundou religião nenhuma, viu seu nome ser utilizado para desvios absolutos, que culminaram até na perda de vidas.

E hoje Kardec é utilizado apenas de fachada para agredir-se justamente quem defende seus ideais...

A realidade impõe aos espíritas (uma classe bem mais minoritária do que imaginamos) não o combate a essa seita chiquista, mas o esclarecimento ao nosso povo.

A função do espiritismo é o esclarecimento. Nosso dever é prosseguir nisso. E como se faz? Divulgando a codificação e fazendo principalmente o que Chico Xavier nunca fez, nem tampouco seus defensores: BUSCAR A VERDADE.

Enquanto assistimos a essa nova seita afirmar que os dizeres desse autor são verdades absolutas, não assistimos à busca pela verdade, mas seremos cúmplices se ficarmos parados.

A luta pelo propriedade da expressão "espiritismo" não existe e nem pode existir. A luta pela verdade, sempre.

Queremos a verdade, queremos as obras mediúnicas submetidas à aferição, queremos a investigação dos fenômenos espirituais, queremos fazer novas perguntas para obtermos novas e verdadeiras respostas dos espíritos superiores. Queremos o espiritismo nos ESCLARECENDO e isso somente se dá por meio de informações fidedignas. O fanatismo em prol de uma única pessoa, um único espirito, um único autor, continua possuindo as mesmas características em todas as eras e momentos históricos. Quem seguia Hitler, por exemplo, o considerava infalível...

O chiquismo não precisa ser combatido. É mais uma religião e nada mais, perdida no meio de tantas outras - e a mais inexpressiva, pelo número de pessoas que a adotam. Enquanto evangélicos, que eclodiram somente a partir dos anos 60 no Brasil, hoje são metade da população do país, o chiquismo, essa doença infantil fruto da idolatria, que conta com a mesma idade, possui pífio 1% de nossa população. O chiquismo, então, só possui importância para os chiquistas - não para a imensa maioria do povo brasileiro.

Urge que façamos diferente e levemos o espiritismo verdadeiro a esse povo, carente de esclarecimento e do consolo que só vem pela verdade.

*Randolfo é moderador da comunidade "Eu sou Espírita - Espiritismo" do Orkut.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Spiritualism in Brazil: alive and kicking

O texto completo está traduzido logo abaixo
http://www.csicop.org/specialarticles/show/spiritualism_in_brazil_alive_and_kicking/
Por Kentaro Mori
June 2, 2010

In continental Europe and particularly in Brazil, a branch of Spiritualism called Spiritism is developing and evolving into a new religion.

We have all seen old Victorian illustrations of ghosts as white sheets of cloth and poorly faked photos of spirits created by double exposure, mainly resulting from the Spiritualist movement in Britain and the United States. The movement saw its peak at the end of the nineteenth century, and it’s mostly recognized as a fad today, almost a century later.

In some other countries, however, especially in continental Europe and particularly in Brazil, a branch of Spiritualism called Spiritism is still very relevant and evolving, making it a fascinating example of the development of a new religion. Followers will be quick to emphasize the distinction between the more widely known Spiritualism and Spiritism, which was founded by a Frenchman named Hypolite Rivail (1804–1869) under the pseudonym “Allan Kardec.” This fad, or fallacy, is being promoted in the name of science.

Chico Xavier

According to the Brazilian Institute for Geography and Statistics (IBGE), which conducts the official census, Brazil has the largest number of Spiritists in the world: over 2.3 million followers, around 1.3 percent of the total population and the third largest religious group, behind Catholics and Evangelicals[1].

All three groups are Christian; the Brazilian Spiritists give special relevance to “The Gospel According to Spiritism.” The most important leader of this movement in Brazil, Francisco “Chico” Xavier (1910–2002), is our main focus of interest here because he epitomizes Brazilian Spiritism.

Chico Xavier is said to have been a medium. His main form of mediumship, however, was “psychography,” that is automatic writing by which he claimed to contact the dead in the form of letters from the deceased and also new books by deceased famous authors.

By selling these “psychographed” books, of which Xavier is said to have authored nearly 400, the movement has been able to flourish and to promote charity works in a self-reinforcing loop where each chain reinforces the other with Xavier at the top. He was clearly not a “Sexy Sadie,” however; even in life Xavier, who lived modestly and never married, was already worshipped as a kind of ascetic saint. There is no evidence that the image of him upheld by his followers is not true. Nearly a decade after his death, and in the centenary of his birth, his life is being dramatized and promoted in major feature movies,[2] and it’s almost unthinkable to question Xavier’s public persona.

But a critical analysis of Chico Xavier’s paranormal claims quickly reveals their utmost frailty. I was myself surprised. Until I got a better look, I had always assumed Xavier’s claims had a kernel of truth. If they were not authentic paranormal phenomena, I thought they would at least prove unsolved and intriguing. On the contrary, that turned out not to be the case.

“Odorization”

A close friend of mine, Vitor Moura Visoni[3], managed to get one of Xavier’s biggest and closest associates, Waldo Vieira, to clearly state that Xavier promoted hoaxes. Vieira should know because he was there.

“Workers from the Spiritist Center went to the line [of followers] to get details from the deceased. Or they used stories told by relatives in the letters where they asked for a meeting. The messages from Chico had this information,” Vieira revealed. That would explain his “psychographed” letters with details that “only the deceased had known.” More than cold reading, this was just plain hoaxing. There were other hoaxes, according to Vieira.

“I saw that [Xavier] was conducting some séances of which I was not part of ... where they sometimes told of Scheila’s [the spirit] perfumes... [Then] one day... he went to post something in the mail,... I went to his closet that had the door open and I intended to close it. When I got there, I saw a bag full of flasks... He used the perfumes... it was of roses... [I confronted him and] then Chico started to cry in front [of me].”

The use of scents allegedly of a supernatural origin was a common Spiritualistic trick. That the Spiritist leader and foremost “medium” in Brazil used them, according to one of his closest associates, is very revealing.

But nothing beats the case of Otília Diogo.

Sister Josefa



Just look at this photograph. Is that part of a comedy show? It may be funny, but not intentionally so. The photo was captured in 1964, and the man smiling in sunglasses is Chico Xavier himself. The person covered in white sheets is the medium Otília Diogo, or as Spitirists believe, the “materialization” of the spirit of sister Josefa in ectoplasm. Thanks to the mediumship of Otília Diogo, of course.

Other photos clearly show the medium behind the veil, and in fact, the veil had a rectangular semi-transparent part to allow Diogo to see. The alleged ectoplasmic materialization could be touched and also hold a heavy Bible. That’s very material indeed. And even believers noticed how the medium, Diogo, had a remarkable similarity to the face of the spirit.



And yet, they believed it. They still believe it. Xavier was there and he emphatically claimed the materializations were real and authentic. But the case would soon turn into turmoil.

The photos here were taken by Cruzeiro magazine, which had the utmost priority of selling more magazines. First promoting then exposing the hoax served them well. After first publishing an article where they left whether the “Uberaba materializations” were real open to interpretation, they then proceeded to expose the hoax they helped to promote.



Caught!

And expose they did. With clear photos it’s obvious that the “materialization” is simply the medium Diogo in sheets. Believers even claimed the spirit went through solid steel bars, but the photos show that it was simply some sheets thrown to the other side, while the very solid (and alive) medium was behind them.

Cruzeiro couldn’t have had better news when in 1970, Otília Diogo was finally caught red-handed. She wanted to have her wrinkles removed with plastic surgery, and as a payment for the surgery, she offered to conduct materialization séances in the house of the doctor, a believer. But the doctor was not that gullible and was suspicious of the small briefcase she always had with her. When he and his family managed to open it while Diogo was sleeping, they found all the “ectoplasm,” that is, all the very material garments and veils she used to portray different spirits.

Her tools even included some perfume used “to reinforce the presence of the spirit.” Just like Xavier, according to Vieira.

Finally exposed in her fraud, what would Diogo say? “I lost my mediumship in 1965, but I thought I should keep performing materializations. I didn’t want anyone to notice.”

And people believe it. Most Spiritists in Brazil, when informed about Chico Xavier’s involvement with the case of Otília Diogo, firmly believe that although she was definitely a hoaxer, she only started to hoax shortly after the phenomena was witnessed and authenticated by Xavier. That’s an amazing example of cognitive dissonance.

Even though the photos taken during those 1964 séances clearly show a person using veils and are obvious evidence of the hoax, many still believe that ectoplasm works in mysterious ways —including looking exactly like a common veil. We skeptics are still arguing with believers who staunchly defend the case with elaborate arguments —all of which have been refuted— but the first and obvious impression that one gets from the photos is quite right. Those are quite simply ridiculous hoaxes.

Smart People Believe Weird Things

Now, Waldo Vieira was also a witness during those séances, and he revealed that from the beginning they had their suspicions about Diogo. But he also claims that Diogo was also an authentic psychic, just as Xavier. Although a hoaxer at times, she also had extraordinary paranormal powers. The cognitive dissonance is complete.

Even if one accepts that these alleged mediums were hoaxers, the believer will convince himself that some of the phenomena must have been authentic. Paraphrasing the old quirky philosophical question, if a hoaxer is not caught hoaxing in the middle of the forest, did he hoax? To the believer, the answer is clear. The most elaborate and unthinkable arguments are presented to argue that those ridiculous hoaxes could, or even must, have been authentic.

Time and again one can find such examples, and the story of Otília Diogo, so famous in Brazilian Spiritism, is almost identical to the story of Florence Cook’s materializations of Katie King, which occurred almost a century earlier at the height if Victorian Spiritualism. She only started to hoax after the examination by William Crookes, the believers will argue. The Swiss contactee Billy Meier may have hoaxed some photos, but he must have started it after he had some authentic contacts with aliens from the Pleiades.

There’s much more in the story of Chico Xavier, certainly, since we didn’t even approach in any detail his main paranormal claim of 400 “psychographed” books. That’s for another opportunity.

But, as famous as he was for his moral guidance and spiritual messages published in hundreds of books, let’s end with a particularly interesting snippet: “The truth that hurts is worse than the lie that comforts.... Those who can will understand this.”

[1] The total number of atheists and nonreligious citizens in Brazil is probably comparable to and perhaps even greater than the number of Spiritists, however the IBGE refuses to tally the number of atheists in the Census.
[2] Many members of the Brazilian upper classes, including the entertainment elite, are Spiritists. It's considered more refined than traditional Catholicism.
[3] The work by Visoni is freely available in Portuguese at http://obraspsicografadas.org/.



Kentaro Mori is a Brazilian skeptic with his own website, Forgetomori.

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Tradução:
Espiritismo no Brasil e a dissonância cognitiva

Publicado por Gabriel Bassi
http://racionalistasusp.wordpress.com/2011/12/04/espiritismo-no-brasil-e-a-dissonancia-cognitiva/
Traduzido da Revista Skeptical Inquirer

Na Europa continental e particularmente no Brasil, um braço do espiritualismo denominado espiritismo se desenvolve e evolui numa nova religião.

Todos já vimos as antigas imagens vitorianas sobre fantasmas em lençóis brancos e em fotos desagradavelmente mal feitas de espíritos criados a partir de dupla exposição, principalmente resultado do movimento espiritualista no Reino Unido e nos Estados Unidos. O movimento atingiu seu auge no final do século XIX, sendo considerado um modismo dos dias atuais quase um século depois.

Porém, em alguns países, especialmente na Europa continental e particularmente no Brasil, um braço do espiritualismo denominado espiritismo ainda é muito significativo e continua evoluindo, fazendo-o um exemplo formidável do desenvolvimento de uma nova religião. Seus seguidores irão logo enfatizar a distinção entre a visão mais ampla do espiritualismo e do espiritismo, o qual foi fundado por um francês chamado Hypolite Rivail (1804-1869) sob o pseudônimo de “Allan Kardec.” Esse modismo, ou falácia, vem sendo promovido em nome da ciência.

Chico Xavier

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual conduz os censos oficiais, o Brasil possui o maior número de espiritistas no mundo: por volta de 2,3 milhões de seguidores, quase 1,3% da população total, e o terceiro maior grupo religioso, atrás somente dos católicos e evangélicos (1)

Todos esses três grupos são cristãos. Os espiritistas brasileiros dão especial ênfase para “O Evangelho Segundo o Espiritismo.” O líder mais importante desse movimento no Brasil, Francisco “Chico” Xavier (1910-2002), é nosso maior foco de interesse aqui, pois simboliza o espiritismo brasileiro.

Chico Xavier é considerado um médium. Porém sua maior forma de mediunidade é a “psicografia”, isso é, a escrita automática pela qual ele afirmava contactar pessoas mortas por meio de cartas “escritas” pelo morto, e também por meio de livros “escritos” por autores famosos já falecidos.

Vendendo esses livros “psicografados”, os quais Xavier escreveu por volta de 400, o movimento conseguiu florescer e promover trabalhos de caridade num loop auto-alimentado onde cada elo reforça o outro, tendo-se Xavier em seu topo. Obviamente não era nenhum Saxy Sadie, mas, mesmo em vida, Xavier vivia modestamente e nunca se casou, sendo adorado como um tipo de santo ascético. Não há evidências de que sua imagem divulgada por seus seguidores não fosse verdadeira. Quase uma década após sua morte, e no centenário de seu nascimento, sua vida foi dramatizada e divulgada em filme (2), é quase impensável questionar a pessoa pública de Xavier.

Mas uma análise crítica dos poderes paranormais de Chico Xavier rapidamente revela sua maior falha. Fiquei surpreso. Até o momento em que me aprofundei na pesquisa, sempre assumi que as afirmações de Xavier tinham algo de verdadeiro. Se não eram um fenômeno paranormal autêntico, pensei que ao menos se chegaria a algo insolucionado ou intrigante. Mas não foi o caso.

“Odorização”

Um amigo íntimo, Vitor Moura Visoni (3), procurou encontrar um dos maiores e mais íntimos afiliados de Xavier, Waldo Vieira, para verificar se Xavier promovia eventos fraudulentos. Vieira deveria saber disso, pois estava com Xavier.

“Trabalhadores do Centro Espírita faziam fila para conseguir detalhes de falecidos ou se utilizavam de histórias contadas pelos parentes nas cartas onde pediam por um encontro. As mensagens de Chico tinham essa informação”, Vieira revelou. Isso poderia explicar as cartas “psicografadas” com detalhes que “somente os mortos sabiam”. Mais que uma simples “leitura fria”, era justamente um falsificação legítima. Havia outras falsificações, de acordo com Vieira.

“Vi que [Chico Xavier] estava conduzindo algumas sessões espíritas nas quais eu não era participante... onde algumas pessoas às vezes relatavam sobre os perfumes de Scheila [o espírito]... [Então] um dia... ele foi colocar algo no correio,... fui até seu quarto, o qual estava com a porta aberta, pretendendo fechá-la. Quando cheguei lá, vi um saco cheio de frascos... Ele usou os perfumes... e eram de rosas... [Perguntei-o sobre isso] então Chico começou a chorar na minha frente.”

O uso de odores supostamente de origem sobrenatural é um truque espiritualístico comum. Tanto que o líder espiritista e mais destacado “médium” do Brasil o utilizou, de acordo com um de seus afiliados mais íntimos, é algo bastante revelador.

Mas nada ganha do caso de Otília Diogo.

Irmã Josefa


Olhe essa foto. É parte de um show de comédias? Pode ser engraçada, mas intencionalmente não é. A foto foi tirada em 1964, e o homem sorridente de óculos de sol é o próprio Chico Xavier. A pessoa coberta pelo lençol branco é a médium Otília Diogo, ou como os espiritistas acreditam, a “materialização” do espírito de Josefa em ectoplasma. Graças à mediunidade de Otília Diogo, é claro.

Outras fotos claramente mostram a médium atrás do véu, e, de fato, o véu possui uma parte retangular semi-transparente para permitir que Otília pudesse enxergar. A suposta materialização ectoplásmica pode ser tocada e também segurar uma bíblia. Isso é realmente muito material. E até mesmo os crentes noticiaram como a médium, Otília, possuía uma similaridade marcante com a face do espírito (abaixo).


E assim acreditaram. E ainda acreditam nisso. Xavier estava lá e enfaticamente afirmou que a materialização era real e autêntica. Mas o caso logo se tornou uma grande confusão.

As fotos foram tiradas pela revista Cruzeiro, a qual possuía a principal prioridade de vender mais revistas. Primeiro promover e então expor a fraude serviu como uma luva. Após publicar primeiramente um artigo no qual questionavam se as “materializações de Uberaba” eram reais e abertas a interpretações, procederam então para expor a fraude que ajudaram a promover.


Pegos no ato!

E então expuseram. Com fotos claras fica óbvio que a “materialização” é simplesmente a médium Otília em lençóis. Os crentes até mesmo afirmavam que o espírito atravessava barras de aço sólido, mas as fotos mostram que era somente alguns lençóis que eram jogados para o outro lado, enquanto a médium, muito sólida (e viva), estava por trás das barras.

A Cruzeiro não poderia ter tido melhor furo de reportagem quando em 1970, Otília Diogo foi finalmente pega no ato do crime. Ela queria fazer plástica para remover suas rugas, e como pagamento pela cirurgia, se ofereceu para conduzir uma reunião espírita de materialização na casa do médico, um crente no espiritismo. Mas o médico não era tão ingênuo assim, e ficou com suspeitas sobre uma maleta que sempre estava com Otília. Quando ele e sua família tentaram abri-la enquanto Otília dormia, encontraram todo o “ectoplasma”, isso é, todas as vestimentas e véus materiais que utilizava para interpretar diferentes espíritos.

Suas ferramentas incluíam até perfumes para “reforçar a presença do espírito.” Assim como Xavier, de acordo com Vieira.

Finalmente exposta a fraude, o que Otília poderia dizer? “Perdi minha mediunidade em 1965, mas pensei que poderia manter a encenação das materializações. Não queria que alguém percebesse.”

E as pessoas acreditaram nisso. Grande parte dos espiritistas do Brasil, quando informados sobre o envolvimento de Chico Xavier no caso de Otília Diogo, acreditou piamente que embora ela fosse definitivamente uma farsante, somente começou a difamar pouco tempo após Xavier ter autenticado e testemunhado os fenômenos. Esse é um exemplo clássico de dissonância cognitiva.

Mesmo que as fotos tiradas durante aquelas reuniões espíritas de 1964 claramente mostrarem uma pessoa utilizando véus, obviamente uma evidência falsa, muitos ainda acreditam que o ectoplasma funciona de maneiras misteriosas – incluindo se parecer exatamente como um véu comum. Nós, os céticos, ainda argumentamos com os crentes que defendem veementemente esse caso com argumentos elaborados – sendo que todos foram refutados – mas a primeira e óbvia impressão das fotos tiradas é um tanto certeira. São exemplos simples e ridículos de falsificações.

Pessoas espertas acreditam em coisas estranhas

Waldo Vieira também era testemunha dessas reuniões espíritas, revelando que desde o início já tinha suspeitas sobre Otília. Mas também afirma que Otília era uma psíquica autêntica, assim como Xavier. Embora fosse uma falsária às vezes, ela também tinha poderes paranormais extraordinários. A dissonância cognitiva é completa.

Mesmo se alguém aceitar que esses médiuns eram falsários, o crente irá se auto-convencer que parte do fenômeno falsificado é autêntica. Parafraseando uma questão filosófica antiga e peculiar, se um falsário não for pego em seu ato fraudulento no meio da floresta, ele cometeu a fraude? Para os crentes, a resposta é clara. Os argumentos mais elaborados e impensáveis são apresentados como argumento para aquelas fraudes ridículas que podem ter sido consideradas como autênticas.

Voltando no tempo novamente podemos encontrar exemplos de falsários. E a história de Otília Diogo, tão famosa no espiritismo brasileiro, é quase idêntica à história das materializações de Florence Cook feitas por Katie King, as quais ocorreram quase um século antes no auge do espiritualismo vitoriano. Os crentes irão argumentar que ela somente começou a fraudar provas após ser examinada por William Crookes. Bill Meier, o suíço que diz ter contatos com alienígenas pode ter falsificado algumas fotos, mas deve ter começado a fazer isso após ter tido alguns contatos autênticos com alienígenas provindos das Plêiades.

Certamente há muitas outras histórias sobre Chico Xavier, pois não entramos em detalhes na sua principal afirmação paranormal dos 400 livros “psicografados”. Essa é outra oportunidade de desmascará-lo.

Porém, como foi uma personalidade tão famosa por seus preceitos morais e mensagens espirituais publicadas em centenas de livros, terminaremos com um pequeno fragmento particularmente interessante: “A verdade que machuca é pior que a mentira que conforta… Aqueles que conseguem compreendê-la irão entender.”

Tá dááá!! Por hoje é só, amiguinho!

Referências

[1] O número total de ateístas e cidadãos não religiosos no Brasil é provavelmente comparável ou até maior que o número de espíritas, porém o IBGE se recusa a quantificar o número de ateístas no censo.
[2] Muitos brasileiros das classes sociais mais altas, incluindo a elite do entretenimento, são espíritas. Considerando-se mais requintados que o catolicismo tradicional.
[3] o trabalho de Visoni está disponível gratuitamente em português em 
http://obraspsicografadas.org/

terça-feira, 11 de março de 2014

A ciência, o espiritismo e a FEB

Eu tento. E tento de boa fé. Sério, mas é difícil! Foi assim: vi o anúncio dum evento na FEB, a Federação Espírita Brasileira, marcado para a noite do dia 10/03/2014, com o instigante tema “A física e o espiritismo, paralelo e convergências – A ciência e a ciência espírita”. Como é um tema que muito me interessa, decidi assistir-lhe. Cheguei cedo, cerca de uma hora antes da apresentação, e despendi o tempo na livraria para inteirar-me das novidades literárias.

O assunto é árduo, principalmente quando abordado para uma plateia sem maiores conhecimentos de filosofia da ciência, teoria do conhecimento e, claro, rudimentos de física. O palestrante teria pela frente responsabilidades em relação aos público e tema.

Para minha surpresa, o palestrante que falaria da física e suas relações com o espiritismo era um... médico! Bem, tinha esperanças que fosse alguém interessado e ilustrado no que seria tratado. Ouvi-lo-ia então, sem preconceitos.

O cardiologista começou por tentar definir algumas questões de filosofia da ciência e teoria do conhecimento, objetivando o nivelamento do público ao que abordaria, já que necessárias, como explicara. Definições de verdade, certeza, crença e conhecimento saíam com superficialidade e pouco cuidado, apresentando já as credenciais do que eu enfrentaria naquela noite. Mas quando resolveu caracterizar a ciência “ortodoxa”, qualquer esperança de bom senso se esvaiu imediatamente e meu interesse seguiu o mesmo rumo.

Uma digressão: sempre que ouço alguém falar de ciência ortodoxa, um sinal de alerta é imediatamente soado: estou diante dum discurso bobo, pueril e pouco elaborado. Não existe uma ciência ortodoxa e outra heterodoxa, existe ciência. Assim, quando se quer dar um ar científico a um discurso infundado, diz-se que é uma ciência, mas não ortodoxa, como o fazem a astrologia, a homeopatia, a psicanálise, a teologia, o espiritismo e outras tantas.

Pobre ciência, violentada num leito de Procusto, adequando-se às necessidades das pregações inconsequentes. Mas não sou Teseu, e resolvi apenas ouvir, apesar de angustiado pelo sofrimento atroz imputado à indefesa ciência. Indefesa porque o público, em sua maioria ignorante de seus princípios teóricos, cria estar diante de novidades que a aproximavam daquelas bobagens que se seguiam numa verborragia torturante. E eu quase podia ouvir os urros da vítima sendo esticada e amputada em partes essenciais naquele leito de horror.

E eu, na balbúrdia da minha mente, não obstante o silêncio exterior, refutava cada argumento, cada frase, relembrando as já distantes aulas introdutórias de epistemologia na academia. Como aquilo poderia ser tratado com seriedade por pessoas com um mínimo de entendimento filosófico? Até um aluno dos semestres iniciais de filosofia seria capaz de perceber os absurdos conceituais.

Após destratar a filosofia e a história, o capataz resolveu também deitar a física no mesmo leito. E eu assistia àquela sessão de tortura silente, incapaz de qualquer manifestação. Fui um covarde, assumo, pois estava muito próximo ao patíbulo para ousar intervir. E, enquanto me contorcia diante daquela tragédia, percebia que o público deliciava-se com as palavras, sem perceber a dor do conhecimento, aceitando-as como nova revelação, como o fazem todos que ignoram algo e não foram educados para a reflexão crítica.

Terminou como começou e um vazio preencheu meus sentimentos. Senti-me como um parente de vítima perseguida num anfiteatro romano: enquanto todos aplaudiam, eu sofria. Fui-me embora, na noite fria da capital federal, num ônibus vazio. E eu cheio de nada. Pouco a pouco percebi a mente retomando a reflexão, depois daquele espasmo intelectual, e lembrei-me duma frase que usara noutros tempos sem parcimônia: olha no que deu o espiritismo...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Conhecendo a FEB

Estou em Brasília. E não resisti à curiosidade de conhecer a FEB. Ontem tomei coragem, peguei um ônibus na W3 e fui à L2 para encontrar com aquilo que considero o que há de pior no movimento espírita. É verdade, não fui de coração aberto: fui cheio de prevenções. Mas curioso, confesso. Fiquei impressionado com a estrutura física: a FEB é imensa! Conheci cada construção interna. No Cenáculo conheci a bela livraria, o imenso salão doutrinário, o museu quase inteiramente dedicado à Chico Xavier, inclusive com um boneco de cera sentado à mesa na entrada que me pareceu quase real, e alguns documentos expostos que me pareceram interessantíssimos, assinados por Kardec (um estava assinado assim: HLD Rivail, Allan Kardec). Tirei fotos. Depois fui ao prédio da Unificação, onde funciona a administração e o salão de reuniões do CFN. Tudo muito bonito. Ali também funciona a Biblioteca de Obras Raras. A parte mais interessante de todo o conjunto! Pude passear pelas obras e senti-me premiado ao manusear um autêntico Le Livre des Esprits, primeira edição. Claro, minha mulher fotografou-me nesse momento ao perceber a cara de menino feliz. E ela me fez tomar um passe (argh!!) no atendimento que acontecia naquele horário. Pegamos a programação de atividades e fomos embora com o compromisso de retornarmos no dia seguinte (hoje) para assistir à primeira palestra pública de 2014.

Chegamos hoje à FEB uns 20 minutos antes do início da palestra. Ainda quase ninguém. Passeei pela livraria e retornei aos documentos raros expostos na entrada do auditório. Entramos e sentamos. Ainda vazio. Faltam agora 5 minutos para o horário previsto e um homem e duas mulheres sobem ao palco e sentam à mesa. A mulher do centro faz uma prece (muito chata) e passa a palavra à outra mulher à sua esquerda. Essa lê um capítulo de Pão Nosso, de Emmanuel, e tece alguns comentários. Achei-os insuportáveis e impertinentes. E mais: desfiguraram aquilo que fora proposto como análise evangélica na obra lida. Vá lá, eu aceito que tudo não passava de prevenção minha, afinal era uma palestra na FEB. O homem então começa a palestrar e sua primeira frase foi: "Daremos hoje continuidade ao estudo da obra de Roustaing, Os Quatro Evangelhos". Confesso que minha vontade foi levantar e ir embora naquele momento, mas pensei: "na França, como os franceses" e educadamente fiquei quieto a ouvir um chavascal de impropriedades proferidas daquele púlpito "espírita". Quando ele citou o Jesus agênere, quase tive uma síncope nervosa e minha mulher me olhava a sorrir. Ao terminar a palestra, todos seguiram para a fila do passe, menos eu, pois saí direto à livraria para reler a RE 1866 e rever a opinião de Kardec sobre a polêmica obra rustenista, enquanto minha mulher tomava a hóst..., ops, o passe.

Ao sair, fui refletindo no ônibus sobre o papel da FEB, não para o movimento espírita, mas para o espiritismo e sua divulgação. Afinal, é isso mesmo que se pode esperar daquela que se autoproclama a Casa-Máter do Espiritismo?

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Crítica à obra "A crise da morte" de Bozzano

Segue brevíssima análise do aspecto metodológico da obra A crise da morte de Bozzano. Esse pequeno trabalho apresentei numa palestra no Teatro Espírita Leopoldo Machado (Telma), em Salvador, onde militava o saudoso Carlos Bernardo Loureiro. A análise é mais extensa do que a aqui apresentada, mas busquei reduzir sobremaneira os textos das citações e dos meus comentários, para que ficasse de mais fácil leitura.

1. Metodologia proposta: análise comparada.
“[...] material que se presta a ser examinado e analisado com fundamento na sua consistência intrínseca, que lhe confere um grau notável de probabilidade, da mesma forma que as narrações dos exploradores africanos se prestam a ser analisadas e verificadas, com fundamento em suas concordâncias..."

A comparação entre o material mediúnico analisado e "as narrações dos exploradores africanos" é estranha: é óbvio que o próprio autor poderia ir à África e retornar com suas próprias observações, atestando ou não aquilo que foi relatado anteriormente como verdadeiro ou falso. O mesmo não se poderia dizer da morte...

2. Ainda a metodologia: o ônus da prova.
“Ninguém pode afirmar ou negar a priori. O fato de negar ou de lançar ao ridículo as ‘revelações transcendentais’ equivale a pretender conhecer, de modo certo, o mundo espiritual, o que constitui presunção indigna de um céptico que raciocine...”

Da mesma forma que se pode afirmar sem provas, apenas amparado por um discurso pseudocientífico, poder-se-ia negar sem qualquer constrangimento. Mais há ainda algo mais sério nessa afirmação que vilipendia uma premissa científica: o ônus da prova é de quem propõe a hipótese. E isso, definitivamente, não foi feito pelo autor...

3. Metodologia: os médiuns.
“Se se chegasse a comprovar que um dos médiuns empregados ignorava absolutamente as teorias espíritas (o que excluiria a hipótese de uma colaboração subconsciente), seria conveniente experimentar com outros médiuns, para se obterem informações sobre o mesmo assunto; e assim por diante, sem que se estabelecessem relações entre eles.”

Médiuns que desconhecessem "as teorias espíritas" e que não tivessem relações entre si. Perfeito! Mas isso foi feito? Como são os exemplos trazidos por Bozzano?

4. Metodologia: como foi na prática.

“A coisa é teoricamente possível, mas de realização difícil, porque é raro que um só pesquisador chegue a encontrar numerosos médiuns, de maneira a poder levar a efeito uma empresa formidável como essa. Mais prático era, pois, aproveitar o material imenso que se acumulou [...], relativamente às ‘revelações transcendentais’, para empreender uma seleção severa de todas as peças, classificando-as, analisando-as, comparando-as, tendo o cuidado de colher informações sobre os conhecimentos especiais de cada médium, no tocante às doutrinas espíritas.”

Bem, aqui ele já começa a se desviar de sua proposta...

5. Metodologia: o corte metodológico.
“[...] todos os fatos, que citarei, de defuntos que narram sua entrada no meio espiritual são tirados de coleções de ‘revelações transcendentais’ publicadas na Inglaterra e nos Estados Unidos. “Por que – perguntar-me-ão os leitores – esse exclusivismo puramente anglo-saxônio? [...] é claro que, se os povos anglo-saxônios são os únicos que, até hoje, hão mostrado saber apreciar o grande valor teórico e prático das ‘revelações transcendentais’, como são os únicos que a isso se consagraram, empregando métodos racionais, não me restava outra coisa senão tomar o material necessário onde o encontrava.”

Esse corte epistêmico será analisado com mais propriedade num comentário feito no décimo-quarto caso apresentado.

6. Os casos: primeiro.
“Extraio este fato de uma obra intitulada Letters and Tracts on Spiritualism, obra que contém os artigos e as monografias publicadas pelo juiz Edmonds, de 1854 a 1874. Sabe-se que Edmonds era notável médium psicógrafo, falante e vidente. Alguns meses depois da morte acidental de seu confrade, o juiz Peckam, a quem ele muito estimava, [...]”

Um juiz que era notável médium psicógrafo, falante e vidente? Não eram para ser médiuns sem nenhum conhecimento sobre espiritualidade e sem relações com outros?

7. Os casos: terceiro.
“Reproduzo um último caso de data antiga, que extraio do livro do Dr. Wolfe, Starling Facts in Modern Spiritualism (pág. 388). ‘Jim Nolan’, o ‘Espírito-guia’ do célebre médium Sr. Hollis, que disse [...]”

À revelia do bobo erro na tradução feita pela FEB, pois não era Sr., mas Sra., o médium Sra. Mary J. Hollis era experiente, rica, membro da Igreja Episcopal e com excelente relações no meio espiritualista.

8. Os casos: quarto.
“[...] um fato tirado da obra de Mrs. Jessie Platts, The Witness. Trata-se de uma coleção de comunicações mediúnicas muito interessantes, obtidas graças à mediunidade da própria Mrs. J. Platts, viúva do Rev. Charles Platts, que teve a infelicidade de perder seus dois filhos na grande guerra. As comunicações publicadas provêm do filho mais moço, Tiny, rapaz de 18 anos apenas, morto quando combatia na frente francesa, em abril de 1917, e que se comunicou psicograficamente, mercê da mediunidade improvisada de sua mãe [...]”
“Termino lembrando que Mrs. Jessie Platts foi levada a cogitar de pesquisas mediúnicas e a tentar escrever automaticamente, pela morte de seus dois filhos na guerra. Ela, pois, nada conhecia – ou muito pouco – das doutrinas espíritas e tudo ignorava acerca do conteúdo das outras coleções de revelações transcendentais.”


Mais ou menos. O médium Sra. Platts levou mais de um ano entre a morte de seu filho Tiny, em 28/04/1917, e o recebimento da primeira mensagem em 03/07/1918. E em seu livro ela relata que durante esse período teve contato com as ditas doutrinas espiritualistas, apesar de afirmar ter sido pouco contato.

9. Os casos: sexto.
“A Sra. Duffey, que é de espírito muito cultivado, se tornou médium escrevente e escreveu as mensagens de que se trata, quando apenas havia pouco tempo que se interessava pelas pesquisas mediúnicas, quando, por conseguinte, ainda nada lera, ou muito pouco, sobre doutrinas espíritas.”

O médium Eliza B. Duffey, famosa feminista estadunidense, autora de diversos livros sobre saúde e educação da mulher, convertera-se um ano antes dessas comunicações ao espiritualismo e participava de uma sociedade espiritualista, dando inclusive palestras sobre o tema.

10. Os casos: nono.
“Tiro-o do recente livro de mensagens transcendentais intitulado A Heretic in Heaven. O médium-narrador é o Sr. Ernesto H. Peckham, conhecido pelas suas pesquisas metapsíquicas, o mesmo que precedentemente escreveu o belo volumezinho intitulado The Morrow of Death”

Conhecido por suas pesquisas metapsíquicas e já escrevera outra obra sobre o tema? Sem mais comentários...

11. Os casos: décimo-segundo.
“A mãe do autor das cartas (morto aos 30 anos, em 1918) começa por dizer que, não podendo consolar-se da morte de seu único filho, desejou pôr-se mediunicamente em comunicação com ele. Para esse fim, aconselharam-lhe fosse à Direção do British College of Psychical Science. Foi na sede dessa importante instituição que ela chegou a experimentar sucessivamente, com quatro dos melhores médiuns, [...] Por um deles – uma senhora dotada de faculdade para a escrita mediúnica – foi que recebeu do filho [...]”

Os melhores médiuns do centro de pesquisas! Sem mais comentários...

12. Os casos: décimo-quarto.
“Trata-se de uma santa mãe que se comunica por intermédio de sua filha. Orna a brochura o retrato da morta, cujos traços angélicos se harmonizam de modo muito sugestivo com o conteúdo das mensagens, das quais se exala o perfume celeste de uma bela alma, em suprema comunhão de amor com todos os seres do Universo. É tão espontânea, tão natural a forma em que são ditadas as mensagens, que sugere aos que as leem a intuitiva certeza da origem, autenticamente transcendental, donde promanam.”

Ou seja, a certeza da origem das comunicações é dada pela forma "tão espontânea, tão natural" das mensagens. Muito científico...

13. Os casos: ainda o décimo-quarto.
“[...] a hipótese ‘reencarnacionista’. Sabe-se que é o único ponto importante em que se depara com um desacordo parcial nas mensagens dos Espíritos que se comunicam: entre os povos latinos, eles afirmam constantemente a realidade das vidas sucessivas, ao passo que, entre os povos anglo-saxões, estão em desacordo, na proporção de dois terços que negam mais ou menos claramente esta forma evolutiva do ser humano, e de um terço que a afirma, de modo mais ou menos categórico. [...] Entretanto, conforme já o fiz notar em outras obras, este contraste de opiniões, relativamente a um problema insolúvel para os que o discutem – e, por conseguinte, essencialmente metafísico – nada significa, pois que os próprios Espíritos reconhecem que tudo ignoram a esse respeito e julgam do assunto segundo suas mesmas aspirações pessoais.”

Os relatos dos povos anglo-saxões sugerem, por cerca de 67%, que não existe reencarnação! Isso é muito significativo! Mas o autor resolve o problema dizendo que tudo não passa de discussão metafísica e que os espíritos não sabem de tudo! Resumindo a argumentação do autor: se a opinião do espírito serve para corroborar sua hipótese, ela é válida como prova; se a opinião, mesmo de 67% dos relatos, é contrária, tudo não passa de deficiências pessoais dos comunicantes. Não se pode negar que ele, ao menos, é muito esperto...

Mas fica uma pulga na orelha: 67% dos relatos mediúnicos trazidos nos países anglo-saxões afirmam não existir reencarnação! Isso sugere que o contexto talvez seja mais importante nos relatos mediúnicos do que supõe a nossa vã espiritologia...

14. Os casos: décimo-quinto.
“As mensagens mediúnicas que vamos reproduzir foram obtidas pela Sra. Rambova na residência de seu pai, situada nos arredores de Nice, com o auxílio do médium americano Jorge Benjamim Wehner, que também servia frequentemente para a fundadora da Sociedade Teosófica [...]”

Servia frequentemente de médium? Sem mais comentários...

15. Conclusões.
“[...] os informes que transcrevi deveriam bastar, para confirmação da grande verdade que ressalta dos casos dos médiuns improvisados, inteiramente ignorantes das doutrinas espíritas e que, não obstante, recebem mensagens concordantes, em que todos os detalhes coincidem com as outras narrações do mesmo gênero.”

Ops, o que eu perdi? Será que li outro livro ou o editor misturou a conclusão desse com a descrição de outro?

16. Ainda conclusões.
“Em primeiro lugar, cheguei a demonstrar incontestavelmente, fundando-me em fatos, que as mensagens mediúnicas, em que os Espíritos dos defuntos descrevem as fases por que passaram na crise da morte e as circunstâncias em que fizeram sua entrada no meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, de maneira tal que nelas não se encontra uma só discordância absoluta com as afirmações dos outros Espíritos que se hão comunicado com os vivos.”

Das duas, uma: ou eu sou um completo maluco que não consegue compreender um texto rudimentar ou o autor acha que somos todos acríticos...
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