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quinta-feira, 22 de maio de 2008

E vamos queimar livros

Publicado originalmente no blog Censura não! em 17/05/2008, por rodveleda.http://xocensura.wordpress.com/2008/05/

A queima de livros voltou na Bahia! O Folha de S.Paulo de hoje [17/05] traz uma matéria reportando uma decisão da Justiça Estadual de recolher todos os exemplares do livro Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação, escrito pelo monsenhor Jonas Abib, pois o voluntarioso Ministério Público da Bahia acredita que Abib teria cometido o crime de “prática e incitação de discriminação ou preconceito religioso”. Para o promotor Almiro Sena Soares Filho, o mesmo que processou a Rede Globo por mostrar escravos apanhando na novela Sinhá Moça (algo que não acontecia, de acordo com a Nova e Revisada História do Brasil de Almiro de Sena Soares Fo.), Abib faria:

"Afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto".

De acordo com a promotoria, já teriam sido vendidas 400 mil cópias do livro.

Não é a primeira vez que uma crítica a religiões afro-brasileiras sofre censura na Bahia. O livro Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? de Edir Macedo também foi censurado pela Polícia do Pensamento, filial Ministério Público Federal.

Pois eu li a liminar do processo contra Jonas Abib (1957502-1/2008), o padre que está tendo um livro queimado graças a uma ação judicial. O juiz Schmitt solta uma afirmação bastante contraditória, ao dizer que

"A proteção a liberdade de consciência e de crença, bem como do livre exercício dos cultos religiosos, encontra-se alçado a nível constitucional, assim como a impossibilidade de alguém ser privado de direitos por motivo de fé ou de ideologia filosófica ou política, consoante encartado nos incisos VI e VII, do artigo 5º, da CF/88".

Como assim? Se é constitucionalmente impossível privar alguém devido a ideologia ou fé, como então o juiz manda

"O imediato recolhimento, em todas as livrarias e bancas de jornal e revistas localizadas nesta Capital, dos exemplares postos a venda da obra Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação, de autoria do acusado e publicada pela Editora Canção Nova".

Ora, para mim isto é impedir uma pessoa de se expressar livremente devido ao conteúdo da mensagem, que nada mais é do que a exteriorização da “fé ou de ideologia filosófica ou política”. Além disso, a liminar contém um outro absurdo:

"O perigo da demora está evidente, uma vez que a disseminação das idéias defendidas pelo acusado deve ser provisoriamente cessada, até que o mérito do caso em tela seja resolvido, como forma de evitar possíveis danos irreparáveis ao patrimônio cultural e à dignidade da pessoa humana (sic), sobretudo daqueles que tem sua matriz religiosa nas religiões atacadas pelo conteúdo do livro em debate. Ademais, o número trazido de vendagem da obra, igualmente, reclama a adoção desta medida, como forma de buscar se evitar um maior acirramento de conflitos étnico-religiosos".

“Maior acirramento de conflitos étnicos-religiosos”? Desde quando o livro estaria causando conflitos étnicos-religiosos? Aliás, desde quando uma religião tem a ver com a etnia de alguém? Salvo melhor juízo, o objetivo de qualquer religião é arregimentar o maior número possível de seres humanos, e não de pessoas humanas (sic) algo que só existe no gabinete de Schmitt, se não toda a humanidade.

Agora, comentários sobre a ação em si. Uma das características da religião é a crença em dogmas, ou seja, verdades absolutas que não podem ser contestadas e que são dadas pelo ente superior de tal religião. Um dos dogmas da Igreja Católica é a crença num único deus. Então, qualquer religião que acredite em mais de uma divindade, como é o caso das tais “religiões afro-brasileiras”, está em desacordo com a verdade absoluta em que os católicos acreditam. Além disso, é importante notar que a Igreja Católica tem outro dogma, o Extra Ecclesiam nulla salus, que diz que não há salvação fora da Igreja Católica, e uma pessoa que não pode ser salva irá para o inferno, e quem manda no inferno é o Dito Cujo.

Ora, se as religiões são baseadas em dogmas, então não há de se falar em discriminação, pois na visão da Igreja Católica, ou mesmo das tais “religiões afro-brasileiras” que o juiz não especifica quais são, qualquer outra religião está em desacordo com a verdade absoluta, assim como qualquer lei que proteja o reconhecimento de tais igrejas, pois aí o Estado estaria patrocinando um ataque ao Bem, ou seja, alinhado-se ao Mal.

Importante notar que a publicização de qualquer pensamento, por mais ofensivo que este pode ser a uma pessoa, não impede a mesma de continuar em sua fé ou ideologia. Existe uma grande diferença em se expressar e impedir alguém de professar sua fé. Desta forma, é perfeitamente legítimo ao padre Abib, ou a qualquer outro sacerdote de outras religiões, fazer críticas aos aspectos ideológicos das outras religiões, para arregimentar mais fiéis para a fé que acredita ser a portadora da verdade absoluta. O que seria bem diferente de o padre Abib estar na frente de uma porta de um local de culto de uma religião qualquer armado com um rifle M-16, ameaçando os fiéis. Aí sim, e somente aí, haveria um crime.

O que esta ação judicial quer, cuja “vítima” é o Centro Espírita Cavaleiros da Luz - Cidade da Luz (como se uma instituição tivesse consciência para poder ser ofendida) e cujo diretor não é novato no uso do Ministério Público para processar interesses católicos, é impedir um ser humano de expressar aquilo que é parte constituinte da sua consciência, impedindo-o de existir, pois uma pessoa que não pode se expressar não existe naquele mundo dos códigos onde ele está inserido.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Sérgio. Subscrevo sua manifestação e compartilho com sua indignação. Vou escrever algo também em meu blog. Abraços. Antônio Margarido

Unknown disse...

Este episódio me lembra o "chute na santa", e as incursões evangelicas aos terreiros de umbanda, sofreram as consequências da ignorância.
Pois bem, os evangélicos passaram a fazer a "umbanda de Jesus", usando os paramentos e misticismos da umbanda contra ela mesma, é seu público alvo, os umbandistas, então temos pastores vestidos de pais-de-santo a fazer descarrego, propagando DENTRO de suas igrejas , a doutrina anti-espiritual.
Pois bem, que o padre espírita, José Medrado, faça reciclagem, e quem sabe teremos aeróbica de Kardec, médiuns cantores e outras sandices, mas tudo dentro da ótica sincrético/espírita que graça na Terra Brasilis.

Abraços
Marcus

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