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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Carta de deus

María Luisa Alba Bustos

Fonte:
Sociedade da Terra Redonda
http://www.str.com.br/

Prezado e temido Homem Todo-Poderoso:

Me dirijo a você para fazer-lhe chegar uma prece que espero poder ser atendida por sua parte. Certamente você já ouviu falar de mim, sou Deus, esse ser que os seus criaram há muitos, muitíssimos anos, quando apenas a sua espécie se distinguia do resto dos animais. Quando o desconhecimento, o temor, o desejo de proteção e a ignorância fazia-lhes tão vulneráveis como qualquer outro animal.

Criaram-me vocês à sua imagem e semelhança, enfeitado com todos os seus defeitos e virtudes, naqueles tempos primitivos até era divertido ser Deus, quero dizer, deuses, porque eram demasiadas as suas necessidades para criar um só Deus.

Criaram-me, mas criaram-me escravo das suas crenças e necessidades. Imaginaram-me sob distintas formas e atributos. Cada novo crente atava-me, e segue me atando, com as suas correntes exigindo de mim ajuda para aliviar a sua dor e ignorância.

Criaram-me, criaram-nos quando ainda não compreendiam o mundo que lhes rodeia e as leis que o regem. Quando ignoravam que podiam existir leis que regem o mundo e o universo. Por isso me criaram, nos criaram tão disparatados, nos criaram em arranjo a suas próprias fantasias e temores. Tão disparatado como só a mente de uma criança pode criar um ser inventado para que lhe ajude.

A minha história Senhor é muito triste, utilizaram-me como justificativa para todos os excessos e egoísmos próprios da sua espécie.

Utilizaram-me para justificar seus confrontos, para justificar o poder que alguns homens atribuíam para si mesmos, para que uns homens dominassem outros, para impor suas normas e suas crenças dizendo que provinham de mim. Para que uns homens se proclamassem portavozes da minha vontade desqualificando, no meu nome, todos aqueles que não acreditassem nas suas palavras.

Desde o primeiro momento vocês criaram guerras entre nós para justificar seus interesses.

Utilizaram-nos para justificar seus desejos de conquista, para vencer o adversário, para submetê-lo.

Utilizaram-nos para justificar a imensidão de mortos, feridos, torturados que essas guerras geraram e geram.

Utilizaram-nos para justificar seus ódios, sua voracidade, seus desejos de vingança.

Não creio que haja maldade na qual vocês não tenham invocado o meu nome.

Creio Homem, que não houve ocasião na sua história pessoal e coletiva onde não se tenha invocado o meu nome, ou nossos nomes, para defender seus interesses manifestos e ocultos.

No meu nome, nos nossos nomes tem se cometido e seguem se cometendo uma infinidade de carnificinas, crimes e atrocidades que não tem outra justificativa senão seus próprios interesses.

Sob a aparência de seres infinitamente poderosos não somos mais do que escravos das suas crenças, criaram-nos escravos e escravos seguimos, e assim seguiremos enquanto não nos libertarem dessas correntes que a vocês parecem justas, acreditando que nos elogiam e que gostamos.

São as mesmas correntes com que os poderosos da sua espécie atam vocês quando dizem que interpretam a nossa vontade, as nossas palavras e os nossos desejos.

A sua espécie, Homem, tem avançado muito, não tanto como deveria porque em nosso nome também se tem procurado deter o avanço da sua espécie, se tem forjado mentiras imensas, espantosas, horríveis falsidades destinadas a deter o avanço da sua espécie, se tem matado e destruído aqueles homens e obras que abriam brechas nas muralhas da ignorância.

Apesar de tudo avançou o suficiente para que não necessite mais acreditar em seres mágicos criados pela sua imaginação há muito, muitíssimo tempo.

Apesar de tudo sabe hoje que o mundo, o universo rege-se por leis que permanecem ocultas, não por minha vontade, não por nossa vontade.

Ainda falta-lhes muito para descobrir as várias leis que permanecem ocultas, mas sabem que essas leis existem, embora não as conheçam.

Já não tem necessidade de nós, já não tem necessidade de seres mágicos que guiem seus passos na escuridão e na ignorância.

Tomem nas suas mãos as rédeas do seu destino, averigüem as leis que regem tudo e me deixem, nos deixem descansar em paz.

Não me usem para justificar suas ambições, seus desejos, seus interesses, seus excessos ou suas atrocidades. Por isso Homem Todo-Poderoso te dirijo esta carta te rogando que me liberes das tuas correntes, das tuas crenças, da tua ignorância e dos teus medos.

Cada vez que sintas tentação de crer em mim te pergunta quem tem criado quem, se deus ao homem, ou homem à deus?

Por isso Senhor, Homem Todo-Poderoso, te peço, me libera dessa escravidão a que me tens submetido, deixa que me dissolva no nada de onde um dia me criaste, nos criaste, à tua imagem e semelhança.

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