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sábado, 24 de fevereiro de 2018

Divaldo, a liberdade e a censura à crítica

“A crítica se torna, assim, elemento básico da filosofia e da prática espírita. Mas é evidente que deve ser exercida por pessoas que tenham condições de cultura e bom-senso para criticar”.

“Sem crítica não há correção de erros, não há renovação de conceitos nem abertura de perspectiva para evolução”.

J. Herculano Pires

A filosofia moderna, surgida no bojo das transformações econômicas e sociais do período da renascença, legou-nos valores e saberes que se tornaram referências ao pensamento e à prática contemporâneos.

Uma das mais importantes mudanças na postura desse homem moderno, renascentista, em relação ao conhecimento foi o questionamento do argumento de autoridade, muito comum em épocas anteriores. Descartes, marco imperativo desse momento, propõe a dúvida a tudo e a todos como etapa necessária a qualquer tentativa de construção gnosiológica. Mas são os pensadores iluministas que concluirão esse caminho árduo propondo, a partir dessa nova postura e centrando todo o esforço nos valores humanos, uma sociedade mais livre, laica e plural, inaugurando então o mundo contemporâneo.

Faço essa introdução breve para comentar o texto do médium baiano Divaldo Franco publicado no Jornal A Tarde, de Salvador, BA, no dia 22 de fevereiro de 2018. O texto trata, evidentemente, das muitas críticas recebidas pelo autor após sua confusa resposta a um jovem, que o perguntou sobre “ideologia de gênero”, num evento ocorrido em Goiânia, GO, no dia 13 de fevereiro de 2018.

O texto de Divaldo Franco publicado no Jornal A Tarde está aqui:
http://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/artigos-espiritas/liberdade-de-consciencia/

Abstive-me de comentar o conteúdo de sua fala no referido evento, e assim pretendo continuar fazendo, por conta da inesperada associação, feita por Divaldo Franco, de questões políticas ao tema proposto pelo jovem. O que aqui faço é apenas comentar a contrarreação do famoso médium às críticas recebidas.

O autor começa seu texto colocando-se como vítima dos “cerceadores da liberdade dos outros”, sendo os “outros” identificados como aqueles que discordam de seu pensamento (“quando as ideias apresentadas não obedecem aos seus padrões de pensamento e de conduta”).

Retornei às críticas feitas às ideias do médium, e que estão disponíveis na rede virtual de informações, e não consegui identificar a qual ele se refere, uma vez que nenhuma das que tive acesso propõe calá-lo ou cercear sua liberdade de opinião. Ou o autor se refere a alguma crítica bem específica que não vi ou li, ou parece que confundiu alhos com bugalhos. Afinal, é preciso, no trato dialógico, não confundir crítica com censura.

Adiante, acusa seus críticos de não dialogar com ideias, mas com insultos de ordem pessoal, e de perseguir “os idealistas”, grupo ao qual se inclui e, obviamente, exclui seus críticos. Aqui também vale a ressalva que nas reações mais divulgadas à sua fala não houve ataque pessoal à figura do indivíduo Divaldo Franco, mas críticas contundentes ao seu pensamento. Parece que o médium não leu ou viu as críticas recebidas, tornando sua queixa infundada.

No mais, é no texto proposto como contrarreação que o autor vocifera ad hominem, reagindo de forma pessoal contra seus críticos, usando adjetivos à mancheia: rudes, agressivos, insanos, intimidadores, arrogantes, temerários, perseguidores, invejosos e despeitados. Talvez tenha esquecido um ou outro, diante da sua profusão.

Acho que Divaldo perdeu uma ótima oportunidade de argumentar sobre as críticas recebidas, preferindo, em vez disso, atacar aqueles que com ele não concordam. Mas isso é um direito seu.

E é também um direito seu inalienável, e disso ninguém discorda, escolher um lado político e defender publicamente essa opção; nutrir determinados valores morais e fazer deles sua pregação; crer e praticar sua fé livremente; pensar e expressar seu pensamento.

O problema é achar que seu pensamento não deve e não pode receber críticas, considerando-se um “grande líder perseguido” sempre que alguém argumentar contra suas ideias. Esse tipo de argumento é anterior à luz do modernismo e do iluminismo filosóficos, e retoma a ideia medieval da autoridade do “líder” ou do “idealista” como verdade inquestionável. A crítica também é um direito inalienável e compõe o quadro do direito às liberdades de consciência e de expressão, o que parece ter esquecido o médium em seu texto.

E, para ilustrar sua defesa, o autor cita um pensamento atribuído a Voltaire, não se apercebendo, porém, que a citação inicia afirmando o desacordo entre as ideias, portanto sem dispensar a crítica, defende a liberdade de expressão. É preciso estar pronto para receber críticas sempre que se expõem ideias, sob o risco de parecer inapto ao diálogo aberto e maduro.

Não se pode olvidar que as adjetivações pessoais na troca de ideias, tão profícua no texto do famoso baiano, é uma vã tentativa de diminuir seus interlocutores, impondo-se como autoridade e liderança a ser seguida, objetivando calar o oponente de ideias. Isso sim pode-se chamar de censura.

Aliás, Divaldo poderia ouvir mais os jovens com quem estava no referido evento, pois isso nos ensinam de forma simples: “não sabe brincar, não desce ao play”.

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