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domingo, 29 de abril de 2018

Qual é o seu time: Cármen ou Lewandowski?

O sistema jurídico nacional, com quatro instâncias recursais, é um acinte, pois permite a protelação da sentença por muito tempo, haja vista a já consagrada morosidade da justiça. Deve-se, portanto, discutir a modificação do direito naquilo em que prevê a possibilidade de tantos recursos.

Se quiser entender as instâncias recursais do direito brasileiro, veja aqui:
http://cnj.jus.br/noticias/cnj/59220-primeira-instancia-segunda-instancia-quem-e-quem-na-justica-brasileira

Mas uma coisa é certa: hoje, como está colocado o sistema jurídico nacional, por mais estranho e injusto que seja, há quatro instâncias recursais e a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, incisos LIV a LVII, prevê a execução da pena somente após o término de todas as possibilidades de recursos.

E aqui entro no tema que me interessa nesse texto: a decisão do STF que permite a prisão após a segunda instância, por mais que agrade a uns e desagrade a outros, é uma afronta ao texto constitucional. E tomada, ironia, pela instituição responsável em defender a Constituição.

O STF tem-se notabilizado em legislar, o que, definitivamente, NÃO é tarefa sua, segundo a própria Constituição. Mas, diante dum Congresso Nacional achincalhado pela corrupção e pela descrença geral na política, coube ao STF ocupar esse lugar de legislador, uma vez que não há vazio de poder.

Nalgumas decisões legislativas do STF, alguns poderão sentir-se atendidos em suas demandas, outros, violentados, como são os casos da prisão em segunda instância e a possibilidade de aborto para má formação cerebral do feto. Mas o fato é que os membros do STF NÃO foram eleitos para tal função, e sequer foram eleitos para qualquer função. Eles NÃO têm o direito de criar leis para a sociedade.

O lugar do debate previsto pela Constituição para essas demandas sociais é o Poder Legislativo, por mais que isso, hoje em dia, cause-nos náuseas e reações indignadas.

Portanto, em vez de torcer para tal ou qual decisão legislativa dos ministros do STF, é preciso ter muito cuidado na hora da escolha dos candidatos ao Poder Legislativo. Discutir se o candidato à presidência A, B ou C é bom ou não acaba por ser algo menor diante da estrutura política do estado brasileiro, porque sem um Congresso Nacional efetivo, decente e sintonizado com as reais demandas sociais nacionais, qualquer presidente eleito será incapaz de dar seguimento às esperanças nele colocadas pelos votos que lhe darão a chefia do poder Executivo.

Torcer pelo voto legislador de ministros do STF, que mudam ao seu bel prazer os textos da lei nacional, é o atestado da falência do Poder Legislativo. Então, em vez de se vestir a camisa de um ou outro ministro, pense bem em quem votar para deputados e senadores nas próximas eleições.

domingo, 15 de junho de 2008

Liberdade para avançar

Cadeirantes celebram liberação das pesquisas em frente ao STF
© Wilson Dias / ABRArtigo publicado na Revista Pesquisa FAPESP, 148, junho 2008, p.28-9.

Decisão histórica do STF dá aval à busca da primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias

Foi o mais importante julgamento em mais de cem anos de história do Supremo Tribunal Federal (STF), na avaliação de Celso de Mello, um de seus ministros. Na tarde do dia 29 de maio, os 11 juízes da Corte autorizaram o prosseguimento das pesquisas com células-tronco extraídas de embriões humanos no Brasil ao rejeitarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles contra um dos artigos da Lei de Biossegurança (nº 11.105). Seis dos votos declararam a improcedência da Adin. Os outros cinco ministros, embora não tenham considerado inconstitucional a lei, fizeram ressalvas que, em maior ou menor grau, poderiam impor limites à atividade científica. Mas foram votos vencidos.

Com a decisão histórica, o Supremo deu aval para a retomada das pesquisas brasileiras com células-tronco embrionárias, que permaneciam em banho-maria devido à incerteza causada pela Adin. “Esse julgamento tirou uma espada de nossas cabeças”, afirma a geneticista Lygia da Veiga Pereira, que espera obter em seu laboratório na Universidade de São Paulo (USP) a primeira linhagem brasileira de um tipo especial de célula. Capazes de originar diferentes tecidos do corpo –como pele, ossos ou neurônios–, as células-tronco embrionárias despertam há tempos o interesse de pesquisadores e da população no mundo todo por representarem uma esperança de tratamento para problemas graves contra os quais medicamentos não surtem o efeito desejado. A produção de uma linhagem nacional de células-tronco embrionárias humanas é um passo importante para a ciência brasileira. “Ela deve garantir autonomia ao país, que pode deixar de depender da importação de linhagens produzidas no exterior”, diz Lygia, que trabalha nessa missão desde 2005 com Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Segui em frente acreditando no bom senso do STF”, conta Lygia.

Não é uma tarefa simples. Desenvolver uma linhagem significa extrair células de um embrião em estágio inicial de desenvolvimento e fazê-las se reproduzir em laboratório sem que percam sua característica mais interessante: a pluripotência, capacidade de originar outras células do corpo. Usando uma técnica inovadora –em que se cultivam células de embriões humanos sobre fibroblastos humanos–, Lygia e Rehen já conseguiram gerar uma linhagem brasileira, mas os resultados ainda não foram plenamente satisfatórios. Agora pretendem repetir o experimento adotando o método clássico usado no mundo todo, em que essas células são cultivadas sobre fibroblastos de camundongos. “Elas serão adequadas para uso em pesquisa, mas não para tratamentos”, explica Lygia, que pretende repassar a técnica para outros laboratórios do país tão logo ela seja dominada.

“Esse é um aprendizado novo”, diz o médico Antonio Carlos Campos de Carvalho, pesquisador do Instituto Nacional de Cardiologia e da UFRJ, onde também trabalha com linhagens de células-tronco embrionárias humanas importadas. Carvalho e outros quatro grupos da UFRJ tentam desde 2005 aumentar a obtenção de determinados tipos de células maduras, que poderiam ser usadas no reparo de algum tecido danificado. “Com a decisão do STF, ganhamos tranqüilidade para colocar estudantes de mestrado e doutorado para trabalhar nesses projetos”, afirma Carvalho.

A geneticista Mayana Zatz, líder da mobilização em favor da liberação das pesquisas, diz que o potencial terapêutico das células-tronco embrionárias é imenso. “Mas é preciso ter paciência: não se sabe quando e nem quais doenças poderão realmente ser tratadas”, adverte. “Os pesquisadores já estavam trabalhando com células-tronco embrionárias, tanto importadas como brasileiras – porque não era proibido. Mas ninguém estava investindo muito nisso porque não se sabia se elas seriam interrompidas. Agora os pesquisadores vão se lançar nesse caminho: submeter projetos, conseguir financiamento, fazer pesquisa”, diz Mayana. A pesquisadora ressaltou que o aval do STF não significará uma redução da pesquisa com as células-tronco adultas, que podem ser extraídas de vários órgãos, mas não têm a versatilidade das embrionárias. “A pesquisa com células adultas trará resultados a curto prazo, mas as em­brionárias permitirão tratar uma gama mais ampla de doenças”, afirmou.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, lembrou que as pesquisas com células-tronco apoiadas pelo governo federal desde 2004 poderão ter os primeiros resultados em 2009. Até agora esses projetos receberam cerca de R$ 24 milhões. “É certo que, para os primeiros resultados concretos, temos uma longa estrada pela frente. Mas é preciso destacar que essas pesquisas buscam trazer respostas para agravos como as lesões raquimedulares, diabetes e doenças genéticas”, explicou o ministro.

Clonagem proibida
As pesquisas com células-tronco embrionárias estão previstas na Lei Nacional de Biossegurança, sancionada em março de 2005 (ver reportagem de capa de Pesquisa FAPESP nº 110). O uso de embriões foi liberado em condições restritas: só é permitido o uso de células-tronco de embriões excedentes dos processos de fertilização in vitro –mesmo assim caso se mostrem inviáveis para reprodução ou se estiverem congelados há pelo menos três anos. Ficou proibida a clonagem de embriões que, na teoria, poderia gerar células e tecidos feitos sob medida para tratar um indivíduo.

Mas logo que a lei entrou em vigor surgiu o impasse jurídico. Em maio de 2005 o então procurador-geral da Re­pública, Cláudio Fonteles, propôs a Adin ao STF. Ele contestou o artigo 5º da lei, justamente o que dispõe sobre a utilização de embriões armazenados em clínicas de reprodução (ver Pesquisa FAPESP nº 113). Na avaliação de Fonteles, tais dispositivos chocavam-se com a proteção que a Constituição confere à vida humana. A ação suscitou a primeira audiência pública feita na história do Supremo (ver Pesquisa FAPESP nº 135). Por iniciativa do ministro relator, Carlos Ayres Britto, o STF reuniu 22 cientistas em Brasília para debater a seguinte questão: quando começa a vida? O julgamento só teria início no dia 5 de março, com a leitura do voto de Ayres Britto, que refutou a tese de Fonteles. “Deixar de contribuir para devolver pessoas à plenitude da vida não soaria como desumana omissão de socorro?”, indagou Britto. A então presidente da corte, a ministra Ellen Gracie, acompanhou o voto do relator, mas a sessão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, e só retomada em 28 de maio.

Direito, que pertence à União dos Ju­ristas Católicos do Rio de Janeiro, pro­pôs em seu voto que a extração de células-tronco estaria condicionada à não destruição do embrião congelado. Além dele, os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Gilmar Mendes e Cezar Peluso fizeram ressalvas que previam limites à pesquisa. Mas prevaleceu a tese do relator, apoiada também pelos ministros Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que votaram pela liberação das pesquisas nos termos da Lei de Biossegurança, sem restrições.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Almas congeladas

Milton R. Medran Moreira
Procurador de Justiça aposentado e jornalista; presidente da Confederação Espírita Pan-Americana
Artigo publicado no Jornal Zero Hora de Porto Alegre, em 09/04/2008.

Deus fecunda a madrugada para o parto diário do sol, mas nem a madrugada é o sol, nem o sol é a madrugada.
(Do voto do ministro Carlos Ayres Britto, no julgamento da ADI 3.510)

No julgamento em curso no STF da ação direta de inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, entidades religiosas que apoiam o pedido têm feito questão de salientar: os argumentos que as movem não são de ordem religiosa, são científicos. Sustentam - com razão, diga-se de passagem - que o zigoto, biologicamente, já contém todas as informações identificadoras do indivíduo humano a que daria origem, caso a gestação ocorresse. Mas isso não dá resposta a esta fundamental indagação: ali já está presente um ser humano?

Veja-se: retirados que forem de um animal qualquer, humano ou não, uma unha ou um fio de cabelo, estará também ali contido todo o código genético daquele ser. E, no entanto, se poderia atribuir à unha ou ao fio de cabelo a condição humana?

Claramente, os grupos, todos eles identificados com a religião, que se opõem à pesquisa científica com células-tronco embrionárias não o fazem por amor à ciência, mas por respeito à fé. Talvez não tenham sequer coragem de afirmar, mas sua luta nasce da crença de que ali, naquele aglomerado de células humanas, há uma alma. E que essa realidade desloca o tema ao campo da sacralidade, por onde não é lícito ao homem transitar.

Sob o aspecto jurídico positivo, a questão é singela e - tomara! - o voto já proferido pelo ministro Ayres Britto há de ter pavimentado o caminho da decisão final. Cuida-se de definir se ali, naquelas células, há vida humana. A resposta é não. Nosso ordenamento jurídico atribui personalidade humana ao ser nascido com vida. O restante são perquirições, relevantes, sem dúvida, de cunho religioso ou filosófico. Não científicos. E à Corte não caberá firmar a decisão nesse tipo de perquirições que fogem do âmbito da lei.

Mas admitamos - e preferível seria que o fizessem claramente os que pugnam pela procedência da ação - que o móvel do pedido seja exatamente este: o de que ali repousa uma alma humana e que crenças e tradições de um povo devem pesar na decisão. Assim mesmo, é de se considerar que entre nós vigoram, com igual força e respeitável tradição histórica, outras posições acerca dessa substância definida pelas religiões e filosofias como alma ou espírito.

Mesmo que a religião cristã haja, após alguns concílios que lhe deram feição definitiva, fechado questão de que a alma é criada por Deus no momento da concepção, é sabido que nem sempre houve unanimidade na história do cristianismo acerca dessa proposição, feita dogma irremovível, a partir de certo momento. Os chamados padres da Igreja, sob influência platônica, nos primeiros séculos do cristianismo, defenderam abertamente a preexistência do espírito como emanação divina e sua atuação consciente e eficiente no processo da encarnação. Contemporaneamente, no Brasil, milhões de pessoas adotam a crença ou a concepção filosófica da reencarnação, bem mais compatível com os modernos postulados científicos da lei geral da evolução. Esta não influiria tão-somente no campo biológico, mas seria também o dínamo do desenvolvimento consciencial, a partir da hipótese da existência do espírito e de sua independência da matéria.

A partir dessa concepção, moderna e não destoante da ciência, impensável seria imaginar que num conglomerado de células, manipuladas num tubo de ensaio e, após, conservadas por anos em um congelador, repouse uma consciência. Ali ela não poderia ter parado em um processo onde a inteligência voltada a um fim útil e evolucionista haja, de alguma forma, interferido.

Está aí uma reflexão fundamentada numa hipótese viável, filosófica e cientificamente sustentável. Diferente, pois, de um dogma que, para poder influir na formulação das leis e das decisões humanas, precisa se valer de eufemismos que mascaram a velha persistente vontade de que o mundo seja regido pela fé e pelo obscurantismo, em detrimento do progresso e da ciência.

Almas congeladas só podem povoar o mundo mítico de seres que preferem também congelar a fé, mas que não têm o direito de obstaculizar o avanço da ciência. Mormente quando esta contribui para a felicidade humana.
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