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domingo, 31 de dezembro de 2017

Freixo e a liberdade de pensamento

Pronto, acabo de ler mais uma análise da já famosíssima entrevista de Marcelo Freixo à Folha(1). Arrisco a dizer que todos os jornais e blogues de esquerda fizeram análises da tal entrevista. A maioria bateu em Freixo sem piedade -- alguns inclusive com um palavreado odioso e claramente ressentido --, e poucos souberam ler além da manchete sensacionalista da Folha. Bem, se algum mérito teve a entrevista foi perceber como Freixo é ouvido e ecoado pelos diversos matizes da esquerda, desde os "cirandeiros" até os frequentadores de listas de empreiteiras. Quando Freixo fala, as esquerdas ouvem. E isso é bom.
(Aqui cabe uma ressalva introdutória: não considero muitos partidos de "esquerda" como sendo autenticamente de esquerda e não vejo necessidade de fazer digressão sobre isso. Já tratei dos conceitos de esquerda e direita em texto anterior.)
Diante da avalanche de críticas que lhe assolou, Freixo gravou um vídeo(2) para desenhar o que já estava dito no texto -- aliás, como disse Sakamoto(3), não falta apenas amor no mundo, falta também, e muito, interpretação de texto --, e retomou os pontos mais criticados da sua fala à jornalista da gazeta tucana.
Sendo objetivo, toda crítica que Freixo recebeu concentra-se na manchete usada pelo jornal: "Não sei se é o momento de unificar a esquerda, não". As demais críticas são tão desconexas que apenas revelam o instrumento usado para a análise: o fígado. Tal manchete foi o suficiente para o lulismo mais dogmático escandalizar-se e pedir a cabeça do "traidor" do mito. Sim, infelizmente a esquerda também tem seus mitos. Lembrou-me bastante as críticas sofridas pelo jornalista tucano Reinaldo Azevedo, por "ousar" criticar(4) outro "mito" muito em voga entre adolescentes imberbes e pessoas pouco afeitas à reflexão mais consistente.
Os partidos de esquerda, todos, lançam seus candidatos ao pleito presidencial de 2018. Não há unidade possível na primeira volta das eleições: Manuela d'Ávila (PCdoB) e Ciro Gomes (PDT) são os exemplos mais evidentes. Lula, sendo bem pragmático, não sabe se poderá ser candidato e o PSOL ainda não tem um nome definido, apesar de ter alguns pré-candidatos e a certeza do lançamento dum nome à eleição.
Alguém nega isso? Óbvio que não. Mas ao deixar isso claro, Freixo apanhou do ódio dogmático que se entranhou no tribunal inquisitorial das redes sociais: "queimem as bruxas!" Não, eu não cheguei a ler isso, mas passou bem perto.
Quando Lula chutou o PSOL (um pequeno partido, diante do gigantismo odebrechtiano petista), chamando seus princípios ideológicos de "frescuras"(5), os mesmos veículos que hoje batem em Freixo elogiaram os dizeres de Lula e louvaram sua "perspicaz" análise política. E a unidade das esquerdas? Ora, às favas com essa unidade quando quem se pronuncia é o mito dos pós-adolescentes barbados.
O que se extrai disso? Para os críticos de Freixo, a unidade das esquerdas deve, necessariamente, orbitar em torno de Lula. Então, é-lhe dado o direito de criticar, desdenhar e menosprezar as demais forças à esquerda, sem nenhum constrangimento. E a essas demais forças restam apenas a resignação e a aceitação de sua insignificância. E qualquer crítica a essa forma de ver a realidade é entendida quase como uma manifestação de heterodoxia teológica.
Bem, essa visão mítica do real é maioria, sem dúvida. Isso é inegável. Mas há vozes divergentes, mesmo minoritárias, que pensam a luta das esquerdas doutra forma, com outros parâmetros. E o exercício da democracia é assim, por mais que isso incomode os cheios de ódio de qualquer lado do espectro ideológico.
Enfim, torço, como Freixo, que Lula possa realmente concorrer nas próximas eleições presidenciais. E, tal qual o massacrado entrevistado, voto mais à esquerda no primeiro turno. O candidato da esquerda que alcançar o segundo turno, seja quem for, terá meu voto. Por puro pragmatismo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Dados matam consenso sobre a gênese africana do homem

Reinaldo José Lopes

Fonte: Folha de S. Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/850176-dados-matam-consenso-sobre-a-genese-africana-do-homem.shtml

Com um punhado de "papers" (artigos científicos) publicados ao longo deste ano, o sueco Svante Pääbo e seus colegas embolaram o que parecia ser um consenso dos mais consolidados no estudo da evolução humana.

E o mais irônico é que Pääbo foi um dos arquitetos desse consenso. Ao longo dos anos 1990 e 2000, parecia cada vez mais claro que as raízes do Homo sapiens eram africanas, e só africanas.

Numa grande onda de expansão que teria começado há uns 60 mil anos, teríamos deixado o continente ancestral e varrido os chamados hominídeos arcaicos -neandertais e Homo erectus entre eles- da Eurásia.

A equipe do Instituto Max Planck ajudou a consolidar essa ideia ao obter DNA mitocondrial de vários espécimes neandertais e anunciar "desculpe, nenhuma pessoa hoje tem esse tipo de mtDNA".

GENE VERSUS GENTE

Por isso mesmo, Pääbo e companhia apostavam que a mestiçagem entre Homo sapiens e primos arcaicos era impossível ou, no máximo, irrelevante. Mas sabiam, como costuma dizer o bioantropólogo brasileiro Walter Neves, que "história de um só gene não é história de população". E o mtDNA equivale, na verdade, a um único gene.

Muitas pesquisadores contrários ao consenso, por isso mesmo, sentiram-se vingados com a confirmação dos cruzamentos entre H. sapiens e neandertais. Os dados de Denisova, porém, levam a coisa para outro patamar.

Afinal, se um hominídeo raro a ponto de ainda não ter sido identificado via fósseis pode legar genes para papuanos de hoje, é sinal de que a mestiçagem entre espécies pode ter sido relativamente comum nessa época.

É provável que muita gente não goste do fim do consenso por razões que passam raspando pelo ideológico. A hipótese da origem africana tinha, de fato, a vantagem de reforçar a ideia de uma origem comum, recente, para todas as pessoas vivas hoje -uma refutação genômica do racismo, digamos.

Nossas diferenças, pelo visto, vão um pouco mais fundo. Que seja -é uma boa razão para celebrá-las e para conviver com elas.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

E vamos queimar livros

Publicado originalmente no blog Censura não! em 17/05/2008, por rodveleda.http://xocensura.wordpress.com/2008/05/

A queima de livros voltou na Bahia! O Folha de S.Paulo de hoje [17/05] traz uma matéria reportando uma decisão da Justiça Estadual de recolher todos os exemplares do livro Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação, escrito pelo monsenhor Jonas Abib, pois o voluntarioso Ministério Público da Bahia acredita que Abib teria cometido o crime de “prática e incitação de discriminação ou preconceito religioso”. Para o promotor Almiro Sena Soares Filho, o mesmo que processou a Rede Globo por mostrar escravos apanhando na novela Sinhá Moça (algo que não acontecia, de acordo com a Nova e Revisada História do Brasil de Almiro de Sena Soares Fo.), Abib faria:

"Afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto".

De acordo com a promotoria, já teriam sido vendidas 400 mil cópias do livro.

Não é a primeira vez que uma crítica a religiões afro-brasileiras sofre censura na Bahia. O livro Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? de Edir Macedo também foi censurado pela Polícia do Pensamento, filial Ministério Público Federal.

Pois eu li a liminar do processo contra Jonas Abib (1957502-1/2008), o padre que está tendo um livro queimado graças a uma ação judicial. O juiz Schmitt solta uma afirmação bastante contraditória, ao dizer que

"A proteção a liberdade de consciência e de crença, bem como do livre exercício dos cultos religiosos, encontra-se alçado a nível constitucional, assim como a impossibilidade de alguém ser privado de direitos por motivo de fé ou de ideologia filosófica ou política, consoante encartado nos incisos VI e VII, do artigo 5º, da CF/88".

Como assim? Se é constitucionalmente impossível privar alguém devido a ideologia ou fé, como então o juiz manda

"O imediato recolhimento, em todas as livrarias e bancas de jornal e revistas localizadas nesta Capital, dos exemplares postos a venda da obra Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação, de autoria do acusado e publicada pela Editora Canção Nova".

Ora, para mim isto é impedir uma pessoa de se expressar livremente devido ao conteúdo da mensagem, que nada mais é do que a exteriorização da “fé ou de ideologia filosófica ou política”. Além disso, a liminar contém um outro absurdo:

"O perigo da demora está evidente, uma vez que a disseminação das idéias defendidas pelo acusado deve ser provisoriamente cessada, até que o mérito do caso em tela seja resolvido, como forma de evitar possíveis danos irreparáveis ao patrimônio cultural e à dignidade da pessoa humana (sic), sobretudo daqueles que tem sua matriz religiosa nas religiões atacadas pelo conteúdo do livro em debate. Ademais, o número trazido de vendagem da obra, igualmente, reclama a adoção desta medida, como forma de buscar se evitar um maior acirramento de conflitos étnico-religiosos".

“Maior acirramento de conflitos étnicos-religiosos”? Desde quando o livro estaria causando conflitos étnicos-religiosos? Aliás, desde quando uma religião tem a ver com a etnia de alguém? Salvo melhor juízo, o objetivo de qualquer religião é arregimentar o maior número possível de seres humanos, e não de pessoas humanas (sic) algo que só existe no gabinete de Schmitt, se não toda a humanidade.

Agora, comentários sobre a ação em si. Uma das características da religião é a crença em dogmas, ou seja, verdades absolutas que não podem ser contestadas e que são dadas pelo ente superior de tal religião. Um dos dogmas da Igreja Católica é a crença num único deus. Então, qualquer religião que acredite em mais de uma divindade, como é o caso das tais “religiões afro-brasileiras”, está em desacordo com a verdade absoluta em que os católicos acreditam. Além disso, é importante notar que a Igreja Católica tem outro dogma, o Extra Ecclesiam nulla salus, que diz que não há salvação fora da Igreja Católica, e uma pessoa que não pode ser salva irá para o inferno, e quem manda no inferno é o Dito Cujo.

Ora, se as religiões são baseadas em dogmas, então não há de se falar em discriminação, pois na visão da Igreja Católica, ou mesmo das tais “religiões afro-brasileiras” que o juiz não especifica quais são, qualquer outra religião está em desacordo com a verdade absoluta, assim como qualquer lei que proteja o reconhecimento de tais igrejas, pois aí o Estado estaria patrocinando um ataque ao Bem, ou seja, alinhado-se ao Mal.

Importante notar que a publicização de qualquer pensamento, por mais ofensivo que este pode ser a uma pessoa, não impede a mesma de continuar em sua fé ou ideologia. Existe uma grande diferença em se expressar e impedir alguém de professar sua fé. Desta forma, é perfeitamente legítimo ao padre Abib, ou a qualquer outro sacerdote de outras religiões, fazer críticas aos aspectos ideológicos das outras religiões, para arregimentar mais fiéis para a fé que acredita ser a portadora da verdade absoluta. O que seria bem diferente de o padre Abib estar na frente de uma porta de um local de culto de uma religião qualquer armado com um rifle M-16, ameaçando os fiéis. Aí sim, e somente aí, haveria um crime.

O que esta ação judicial quer, cuja “vítima” é o Centro Espírita Cavaleiros da Luz - Cidade da Luz (como se uma instituição tivesse consciência para poder ser ofendida) e cujo diretor não é novato no uso do Ministério Público para processar interesses católicos, é impedir um ser humano de expressar aquilo que é parte constituinte da sua consciência, impedindo-o de existir, pois uma pessoa que não pode se expressar não existe naquele mundo dos códigos onde ele está inserido.
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