Reinaldo José Lopes
Fonte: Folha de S. Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/850176-dados-matam-consenso-sobre-a-genese-africana-do-homem.shtml
Com um punhado de "papers" (artigos científicos) publicados ao longo deste ano, o sueco Svante Pääbo e seus colegas embolaram o que parecia ser um consenso dos mais consolidados no estudo da evolução humana.
E o mais irônico é que Pääbo foi um dos arquitetos desse consenso. Ao longo dos anos 1990 e 2000, parecia cada vez mais claro que as raízes do Homo sapiens eram africanas, e só africanas.
Numa grande onda de expansão que teria começado há uns 60 mil anos, teríamos deixado o continente ancestral e varrido os chamados hominídeos arcaicos -neandertais e Homo erectus entre eles- da Eurásia.
A equipe do Instituto Max Planck ajudou a consolidar essa ideia ao obter DNA mitocondrial de vários espécimes neandertais e anunciar "desculpe, nenhuma pessoa hoje tem esse tipo de mtDNA".
GENE VERSUS GENTE
Por isso mesmo, Pääbo e companhia apostavam que a mestiçagem entre Homo sapiens e primos arcaicos era impossível ou, no máximo, irrelevante. Mas sabiam, como costuma dizer o bioantropólogo brasileiro Walter Neves, que "história de um só gene não é história de população". E o mtDNA equivale, na verdade, a um único gene.
Muitas pesquisadores contrários ao consenso, por isso mesmo, sentiram-se vingados com a confirmação dos cruzamentos entre H. sapiens e neandertais. Os dados de Denisova, porém, levam a coisa para outro patamar.
Afinal, se um hominídeo raro a ponto de ainda não ter sido identificado via fósseis pode legar genes para papuanos de hoje, é sinal de que a mestiçagem entre espécies pode ter sido relativamente comum nessa época.
É provável que muita gente não goste do fim do consenso por razões que passam raspando pelo ideológico. A hipótese da origem africana tinha, de fato, a vantagem de reforçar a ideia de uma origem comum, recente, para todas as pessoas vivas hoje -uma refutação genômica do racismo, digamos.
Nossas diferenças, pelo visto, vão um pouco mais fundo. Que seja -é uma boa razão para celebrá-las e para conviver com elas.
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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Dados matam consenso sobre a gênese africana do homem
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terça-feira, 7 de setembro de 2010
10 lições curtas para curar o criacionismo dos criacionistas
Eli Vieira
Fonte: Evolucionismo - I think
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/10-licoes-curtas-para-curar-o
1) Teoria é o melhor tipo de explicação que a ciência pode produzir.
Computadores, vacinas, carros e aviões funcionam baseados em teorias científicas. E funcionam bem na medida em que essas teorias científicas explicam o mundo bem.[1]
2) A Terra é antiga.
Se ignorar toda a teoria do decaimento radioativo e fizer deduções simples baseadas no resfriamento da Terra, você vai encontrar no mínimo mais de 50 mil anos para a idade do planeta (isso foi feito séculos atrás por mais de um pensador, incluindo Isaac Newton [2]). O decaimento radioativo simplesmente mostra que o sistema solar como um todo se estabilizou como matéria há 4.540.000.000 de anos. Portanto a Terra tem no mínimo 4,54 bilhões de anos. Isso é tão estabelecido em ciência quanto a gravidade.[3]
Quem nega simplesmente é ignorante (e se quisesse negar de forma honesta e sistemática, teria que entender as teorias científicas de geocronologia, não ficar batendo na tecla de textos religiosos milenares).
3) As características dos seres vivos são passadas de geração em geração pelos genes.
Os genes são trechos de uma molécula longa chamada DNA (e temos 46 fitas de DNA no núcleo de cada célula do corpo, em geral). Qualquer pessoa, usando os instrumentos adequados, pode ver que este DNA é copiado imperfeitamente ao longo das gerações. Isso significa que os genes mudam. Isso significa que os seres vivos mudam. E a implicação inescapável disso é que os seres vivos mudam coletivamente.[4]
4) As populações dos seres vivos mudam porque os organismos mudam.
A biologia tem um nome para essa mudança, e este nome é “evolução”. E por usar este nome, não quer dizer que a biologia queira dizer mais que o que já foi dito: evolução é mudança (de características das populações ao longo das gerações). Nada mais.[5]
5) Assim como uma estalactite no teto de uma caverna qualquer...
...é o resultado de microscópicas acresções de carbonato de cálcio quando a água se evapora em sua ponta, as mudanças grandes da história da vida são o resultado inevitável de mudanças pequenas nos seres vivos. Não há mecanismo de parar a macroevolução, assim como não há mecanismo para evitar que a estalactite cresça ao longo dos séculos. [6][7]
A não ser que a estalactite se quebre, ou a espécie se extinga, coisas que também acontecem naturalmente.
6) Os nativos de Ruanda, no passado, separavam seu povo em três “raças”.
Eles pensavam que cada uma dessas “raças” tinha vindo de um casal. [8] Estavam errados. Assim como os ruandeses estavam errados, os cristãos fundamentalistas estão errados ao dizer que a Humanidade veio de um único casal. Isso é geneticamente impossível. [9] Adão e Eva nunca existiram.
As teorias científicas que mostram de onde veio a humanidade são a genética e a teoria da evolução. Ambas se complementam harmonicamente, como qualquer grande geneticista de humanos pode confirmar. Perguntem a Alan Templeton, perguntem ao octagenário Francisco Salzano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: a resposta vai ser a mesma: a humanidade veio de uma população africana de hominídeos, porque isso está escrito nos genes.[10]
Por que o ser humano se parece tanto com os macacos: olhos estereoscópicos, dedos preênseis, quase sempre um só bebê por gestação? Até mesmo Carl von Linné (Carlos Lineu), o inventor da classificação biológica, disse há mais de 200 anos:
“Se tivesse dito que o homem é um macaco ter-me-ia exposto à irritação de todos os eclesiásticos. Talvez devesse ter feito isso.”[2]
Qual é a explicação para dois irmãos ou dois primos serem parecidos? Qualquer pessoa em sã consciência dirá que é porque herdaram essas características de um avô ou um pai.
A analogia é a mesma em relação à espécie humana e os macacos: a melhor explicação para nossa semelhança é que temos uma espécie ancestral comum, E NÃO QUE O HOMEM VEIO DO MACACO, assim como você não veio do seu irmão nem do seu primo.
7) As teorias da cosmologia...
...que explicam o estado em que o universo se encontrava há 13,7 bilhões de anos atrás são completamente independentes da teoria científica da evolução biológica. Uma galáxia não é uma ameba. Uma estrela não é um grão de pólen. Uma nebulosa não é uma colônia de bactérias.
Então, por favor, parem de misturar big bang com evolução biológica, de uma vez por todas. Parem de emitir certificado de ignorância de graça, não fica bem para vocês!
8) A teoria da evolução tem tanto a ver com o holocausto dos judeus...
...quanto a teoria atômica tem a ver com as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Teorias científicas são moralmente neutras, e podem ser usadas para o bem ou para o mal. Pode-se usar a teoria da evolução para o bem ao ressaltar que a humanidade é única e não se divide em raças, porque é uma espécie recente (surgiu entre 150 e 200 mil anos atrás, na África).
Desde que a humanidade fabricou a primeira lança, os homens poderiam usar a lança para caçar e alimentar seus filhos ou para furar os torsos de outros homens. A lança nada tem a ver com as decisões morais humanas. A lança simplesmente funciona para estes fins. Teorias científicas simplesmente funcionam para explicar fatos da natureza.
9) Mesmo se Darwin fosse um crápula,
canibal, pedófilo, ladrão, ou assassino, isso em nada prejudicaria a teoria da evolução. Saibam separar pessoas e ideias. Os biólogos não amparam a teoria da evolução sobre a pessoa de Darwin (nem precisariam fazer isso, pois mesmo se Darwin não tivesse existido, ainda haveria outras figuras na história para descobrir a evolução biológica e o mecanismo que a causa). Teorias científicas são explicações, só precisam se amparar em experimentos e dados do mundo, e não sobre figuras de autoridade. O fato de Darwin ter sido uma pessoa com um forte senso de moralidade e ética, e um pai e marido amoroso, também não contribui para a teoria da evolução.[11]
10) Você não vai ser uma pessoa melhor nem pior se aceitar a evolução.
Aceitando, a única coisa que você ganha é estar mais informado sobre o mundo que te cerca. Não seja preconceituoso, leia textos básicos de evolução como os de Stephen Jay Gould e Ernst Mayr. Se você não gosta de ver pessoas que nunca leram a Bíblia falando dela, por que você poderia passar por cima do trabalho dos biólogos e saber a origem das espécies sem nem ao menos estudá-las?
Aceitar a evolução não vai fazer de você um ateu, porque há muitos evolucionistas que acreditam em um deus ou vários deuses. Há biólogos espalhados por todo o mundo, com criações religiosas diferentes. O motivo pelo qual todos concordam que a evolução existe é simplesmente porque eles sabem que o DNA muda, portanto os organismos mudam, portanto as populações mudam, portanto as espécies mudam.
Assim como espeleólogos sabem que o gás carbônico vira um ânion carbonato em contato com água, e se esta água for rica em cátions de cálcio e evaporar, esse ânion se unirá a este cátion por força de suas cargas, produzindo um sólido chamado carbonato de cálcio, e que o ambiente das cavernas garante que isso ocorra sem perturbações ao longo de séculos causando o crescimento das estalactites e estalagmites.
Será que sua vaidade te proíbe de estudar as conclusões dos biólogos? Pense se você agiria diferente se achasse que as estalagmites só podem ser feitas por escultores inteligentes e não por processos naturais.
Referências
[1]Gregory, T. (2007). Evolution as Fact, Theory, and Path Evolution: Education and Outreach, 1 (1), 46-52 DOI: 10.1007/s12052-007-0001-z
[2] Gribbin, John. Science: A History. Penguin, 2002.
[3]Dalrymple, G. (2001). The age of the Earth in the twentieth century: a problem (mostly) solved Geological Society, London, Special Publications, 190 (1), 205-221 DOI: 10.1144/GSL.SP.2001.190.01.14
[4] Snustad, DP & Simmons, MJ. Fundamentos de genética. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2008
[5] Ridley, M. Evolução. Porto Alegre, Artmed, 2006
[6] Short MB, Baygents JC, Beck JW, Stone DA, Toomey RS 3rd, & Goldstein RE (2005). Stalactite growth as a free-boundary problem: a geometric law and its platonic ideal. Physical review letters, 94 (1) PMID: 15698145
[7] Gee et al. (2009). 15 EVOLUTIONARY GEMS Nature DOI: 10.1038/nature07740
[8] Strickland, D. (2009). Kingship and Slavery in African Thought: A Conceptual Analysis Comparative Studies in Society and History, 18 (03) DOI: 10.1017/S001041750000832X
[9] RALLS, K., BALLOU, J., & TEMPLETON, A. (1988). Estimates of Lethal Equivalents and the Cost of Inbreeding in Mammals Conservation Biology, 2 (2), 185-193 DOI: 10.1111/j.1523-1739.1988.tb00169.x
[10] Wilson AC, & Cann RL (1992). The recent African genesis of humans. Scientific American, 266 (4), 68-73 PMID: 1566032
[11] Moore, J & Desmond, A. Darwin: A vida de um evolucionista atormentado. Geração Editorial, 2000.
Fonte: Evolucionismo - I think
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/10-licoes-curtas-para-curar-o
1) Teoria é o melhor tipo de explicação que a ciência pode produzir.
Computadores, vacinas, carros e aviões funcionam baseados em teorias científicas. E funcionam bem na medida em que essas teorias científicas explicam o mundo bem.[1]
2) A Terra é antiga.
Se ignorar toda a teoria do decaimento radioativo e fizer deduções simples baseadas no resfriamento da Terra, você vai encontrar no mínimo mais de 50 mil anos para a idade do planeta (isso foi feito séculos atrás por mais de um pensador, incluindo Isaac Newton [2]). O decaimento radioativo simplesmente mostra que o sistema solar como um todo se estabilizou como matéria há 4.540.000.000 de anos. Portanto a Terra tem no mínimo 4,54 bilhões de anos. Isso é tão estabelecido em ciência quanto a gravidade.[3]
Quem nega simplesmente é ignorante (e se quisesse negar de forma honesta e sistemática, teria que entender as teorias científicas de geocronologia, não ficar batendo na tecla de textos religiosos milenares).
3) As características dos seres vivos são passadas de geração em geração pelos genes.
Os genes são trechos de uma molécula longa chamada DNA (e temos 46 fitas de DNA no núcleo de cada célula do corpo, em geral). Qualquer pessoa, usando os instrumentos adequados, pode ver que este DNA é copiado imperfeitamente ao longo das gerações. Isso significa que os genes mudam. Isso significa que os seres vivos mudam. E a implicação inescapável disso é que os seres vivos mudam coletivamente.[4]
4) As populações dos seres vivos mudam porque os organismos mudam.
A biologia tem um nome para essa mudança, e este nome é “evolução”. E por usar este nome, não quer dizer que a biologia queira dizer mais que o que já foi dito: evolução é mudança (de características das populações ao longo das gerações). Nada mais.[5]
5) Assim como uma estalactite no teto de uma caverna qualquer...
...é o resultado de microscópicas acresções de carbonato de cálcio quando a água se evapora em sua ponta, as mudanças grandes da história da vida são o resultado inevitável de mudanças pequenas nos seres vivos. Não há mecanismo de parar a macroevolução, assim como não há mecanismo para evitar que a estalactite cresça ao longo dos séculos. [6][7]
A não ser que a estalactite se quebre, ou a espécie se extinga, coisas que também acontecem naturalmente.
6) Os nativos de Ruanda, no passado, separavam seu povo em três “raças”.
Eles pensavam que cada uma dessas “raças” tinha vindo de um casal. [8] Estavam errados. Assim como os ruandeses estavam errados, os cristãos fundamentalistas estão errados ao dizer que a Humanidade veio de um único casal. Isso é geneticamente impossível. [9] Adão e Eva nunca existiram.
As teorias científicas que mostram de onde veio a humanidade são a genética e a teoria da evolução. Ambas se complementam harmonicamente, como qualquer grande geneticista de humanos pode confirmar. Perguntem a Alan Templeton, perguntem ao octagenário Francisco Salzano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: a resposta vai ser a mesma: a humanidade veio de uma população africana de hominídeos, porque isso está escrito nos genes.[10]
Por que o ser humano se parece tanto com os macacos: olhos estereoscópicos, dedos preênseis, quase sempre um só bebê por gestação? Até mesmo Carl von Linné (Carlos Lineu), o inventor da classificação biológica, disse há mais de 200 anos:
“Se tivesse dito que o homem é um macaco ter-me-ia exposto à irritação de todos os eclesiásticos. Talvez devesse ter feito isso.”[2]
Qual é a explicação para dois irmãos ou dois primos serem parecidos? Qualquer pessoa em sã consciência dirá que é porque herdaram essas características de um avô ou um pai.
A analogia é a mesma em relação à espécie humana e os macacos: a melhor explicação para nossa semelhança é que temos uma espécie ancestral comum, E NÃO QUE O HOMEM VEIO DO MACACO, assim como você não veio do seu irmão nem do seu primo.
7) As teorias da cosmologia...
...que explicam o estado em que o universo se encontrava há 13,7 bilhões de anos atrás são completamente independentes da teoria científica da evolução biológica. Uma galáxia não é uma ameba. Uma estrela não é um grão de pólen. Uma nebulosa não é uma colônia de bactérias.
Então, por favor, parem de misturar big bang com evolução biológica, de uma vez por todas. Parem de emitir certificado de ignorância de graça, não fica bem para vocês!
8) A teoria da evolução tem tanto a ver com o holocausto dos judeus...
...quanto a teoria atômica tem a ver com as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Teorias científicas são moralmente neutras, e podem ser usadas para o bem ou para o mal. Pode-se usar a teoria da evolução para o bem ao ressaltar que a humanidade é única e não se divide em raças, porque é uma espécie recente (surgiu entre 150 e 200 mil anos atrás, na África).
Desde que a humanidade fabricou a primeira lança, os homens poderiam usar a lança para caçar e alimentar seus filhos ou para furar os torsos de outros homens. A lança nada tem a ver com as decisões morais humanas. A lança simplesmente funciona para estes fins. Teorias científicas simplesmente funcionam para explicar fatos da natureza.
9) Mesmo se Darwin fosse um crápula,
canibal, pedófilo, ladrão, ou assassino, isso em nada prejudicaria a teoria da evolução. Saibam separar pessoas e ideias. Os biólogos não amparam a teoria da evolução sobre a pessoa de Darwin (nem precisariam fazer isso, pois mesmo se Darwin não tivesse existido, ainda haveria outras figuras na história para descobrir a evolução biológica e o mecanismo que a causa). Teorias científicas são explicações, só precisam se amparar em experimentos e dados do mundo, e não sobre figuras de autoridade. O fato de Darwin ter sido uma pessoa com um forte senso de moralidade e ética, e um pai e marido amoroso, também não contribui para a teoria da evolução.[11]
10) Você não vai ser uma pessoa melhor nem pior se aceitar a evolução.
Aceitando, a única coisa que você ganha é estar mais informado sobre o mundo que te cerca. Não seja preconceituoso, leia textos básicos de evolução como os de Stephen Jay Gould e Ernst Mayr. Se você não gosta de ver pessoas que nunca leram a Bíblia falando dela, por que você poderia passar por cima do trabalho dos biólogos e saber a origem das espécies sem nem ao menos estudá-las?
Aceitar a evolução não vai fazer de você um ateu, porque há muitos evolucionistas que acreditam em um deus ou vários deuses. Há biólogos espalhados por todo o mundo, com criações religiosas diferentes. O motivo pelo qual todos concordam que a evolução existe é simplesmente porque eles sabem que o DNA muda, portanto os organismos mudam, portanto as populações mudam, portanto as espécies mudam.
Assim como espeleólogos sabem que o gás carbônico vira um ânion carbonato em contato com água, e se esta água for rica em cátions de cálcio e evaporar, esse ânion se unirá a este cátion por força de suas cargas, produzindo um sólido chamado carbonato de cálcio, e que o ambiente das cavernas garante que isso ocorra sem perturbações ao longo de séculos causando o crescimento das estalactites e estalagmites.
Será que sua vaidade te proíbe de estudar as conclusões dos biólogos? Pense se você agiria diferente se achasse que as estalagmites só podem ser feitas por escultores inteligentes e não por processos naturais.
Referências
[1]Gregory, T. (2007). Evolution as Fact, Theory, and Path Evolution: Education and Outreach, 1 (1), 46-52 DOI: 10.1007/s12052-007-0001-z
[2] Gribbin, John. Science: A History. Penguin, 2002.
[3]Dalrymple, G. (2001). The age of the Earth in the twentieth century: a problem (mostly) solved Geological Society, London, Special Publications, 190 (1), 205-221 DOI: 10.1144/GSL.SP.2001.190.01.14
[4] Snustad, DP & Simmons, MJ. Fundamentos de genética. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2008
[5] Ridley, M. Evolução. Porto Alegre, Artmed, 2006
[6] Short MB, Baygents JC, Beck JW, Stone DA, Toomey RS 3rd, & Goldstein RE (2005). Stalactite growth as a free-boundary problem: a geometric law and its platonic ideal. Physical review letters, 94 (1) PMID: 15698145
[7] Gee et al. (2009). 15 EVOLUTIONARY GEMS Nature DOI: 10.1038/nature07740
[8] Strickland, D. (2009). Kingship and Slavery in African Thought: A Conceptual Analysis Comparative Studies in Society and History, 18 (03) DOI: 10.1017/S001041750000832X
[9] RALLS, K., BALLOU, J., & TEMPLETON, A. (1988). Estimates of Lethal Equivalents and the Cost of Inbreeding in Mammals Conservation Biology, 2 (2), 185-193 DOI: 10.1111/j.1523-1739.1988.tb00169.x
[10] Wilson AC, & Cann RL (1992). The recent African genesis of humans. Scientific American, 266 (4), 68-73 PMID: 1566032
[11] Moore, J & Desmond, A. Darwin: A vida de um evolucionista atormentado. Geração Editorial, 2000.
domingo, 17 de janeiro de 2010
O maior espetáculo da Terra
Fonte: Blog Index
Dizer que o novo livro de Richard Dawkins é uma resposta aos criacionistas é diminuí-lo. Seria como afirmar que O mundo assombrado pelos demônios (1996), do Sagan, é uma mera resposta àqueles que acreditam em abdução em massa ou em aparições da Virgem Maria.
Não estou certo de que os criacionistas mereçam uma resposta. O que eles merecem, sempre, é uma simples pergunta - “Qual a sua alternativa?” -, para diversão geral da nação. É claro que The greatest show on Earth: The evidence for Evolution se ocupa em desmontar argumentos criacionistas - o que na maioria dos casos equivale a ensinar o bê-a-bá da biologia e rudimentos de geologia, física e química -, mas o principal do livro é o encanto que ele causa no leitor, a cada página. E olha que consigo me impressionar com esse livro (não acabei ainda) imediatamente após encerrar os belos ensaios de A Devil’s Chaplain: Reflections on hope, lies, science and love (2003)!
O que Dawkins faz é nos maravilhar com os encantos da evolução das espécies no silêncio dos milhões de anos; nos mostrar nosso grau de parentesco com todos os seres vivos do planeta; descrever pesquisas que comprovam o fato da evolução e de alterações significativas numa espécie e o surgimento de outras, mesmo dentro do tempo de vida médio de uma pessoa (como as pesquisas de John Endler com peixes que “calculam” a relação custo-benefício entre se camuflar demais e não ser predado, e se destacar de menos e não atrair fêmeas, e que, a partir dos “resultados” e do meio em que estão, dão origem a novos tipos de peixes), mesmo em laboratório (caso do estudo de Richard Lenski e equipe com a evolução bacteriana - clique aqui e leia a respeito).
Um livro para fechar com classe este Ano de Darwin. E que felicidade da Cia. das Letras traduzi-lo e publicá-lo com grande rapidez no Brasil - O maior espetáculo da Terra.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
Como surgiram os dinossauros?
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Fonte: Ciência Hoje
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/cacadores-de-fosseis/como-surgiram-os-dinossauros
Publicado em 01/01/2010
Alexander Kellner apresenta em sua primeira coluna de 2010 o estado da arte na pesquisa sobre a origem do mais famoso grupo de répteis fósseis e mostra como novos achados estão ajudando a esclarecer essa questão.
Vamos começar o ano em grande estilo. Além de convocar o leitor para eleger o principal achado da paleontologia em 2009 – a primeira vez que uma iniciativa desse tipo é realizada (veja paleocurta) –, nesta primeira coluna de 2010 abordaremos um dos temas mais interessantes da pesquisa sobre dinossauros: a sua origem.
O momento não poderia ser mais propício, pois nos últimos anos diversos novos fósseis foram encontrados, ajudando os pesquisadores a formular algumas hipóteses sobre quando e onde esses répteis surgiram. Em um grande esforço de apresentar os principais dados sobre essa discussão, colegas brasileiros e argentinos, coordenados por Max Langer (USP-Riberão Preto), publicaram uma extensa revisão sobre o tema na Biological Reviews.
O que é um dinossauro?
Nos últimos anos, a descoberta de novos fósseis ajudou os cientistas a formular hipóteses sobre quando e onde os dinossauros surgiram.
O ponto de partida para se estabelecer a origem dos dinossauros é determinar quais são as espécies que devem ser classificadas nesse grupo. Ao criar o termo Dinosauria (que pode ser traduzido como "répteis terríveis") em 1842, o paleontólogo inglês Richard Owen tinha apenas três gêneros em mente: Megalosaurus, Iguanodon e Hylaeosaurus.
Quase 170 anos mais tarde, temos mais de 500 gêneros com 1.000 espécies denominadas, das quais apenas cerca de 700 são consideradas válidas. Talvez o leitor se surpreenda um pouco com essa discrepância, mas o motivo é bem simples: em muitos casos, espécies foram estabelecidas com base em exemplares muito incompletos e fragmentados, cujo estudo posterior demonstrou não possuírem características capazes de permitir a distinção de uma espécie de outra.
O consenso entre os pesquisadores determina que, para ser considerado um dinossauro, o animal obrigatoriamente tem que pertencer a um de dois grupos: Saurischia ou Ornithischia.
As principais características que distinguem os dinossauros dos demais répteis (incluindo os dinossauromorfos basais, que reúnem espécies proximamente relacionadas aos dinossauros) são encontradas, sobretudo, na bacia, pernas e patas. Entre as mais facilmente identificáveis está a região da bacia (pélvis) onde se encaixa a perna, que é chamada de acetábulo. Enquanto os répteis primitivos possuem o acetábulo fechado, coberto por uma parede óssea, os dinossauros – tanto os saurísquios como os ornitísquios – têm o acetábulo perfurado. Até nas aves, que são consideradas dinossauros, pode-se observar um acetábulo perfurado.
Quando, onde e quem?
Os registros mais antigos confirmados de dinossauros são provenientes de rochas do Triássico, com aproximadamente 230 milhões de anos. Os depósitos principais estão situados na Argentina (Formação Ischigualasto) e no Brasil (Formação Santa Maria). Restos de possíveis dinossauros triássicos foram encontrados em alguns outros países, mas são muito fragmentados, o que dificulta a sua identificação. Assim, o que se pode dizer é que a origem dos dinossauros provavelmente se deu na parte sul do supercontinente Pangeia (que reunia todos os continentes de hoje), talvez no Brasil ou na Argentina.
As principais formas argentinas são Herrerasaurus, Pisanosaurus e Eoraptor, enquanto as brasileiras são Staurikosaurus e Saturnalia. Porém, existem pegadas com cerca de 233 milhões de anos que poderiam pertencer a dinossauros, o que sugere que a origem desses répteis poderia ser ainda mais antiga.
Origem e domínio
Talvez o aspecto mais problemático de toda a discussão esteja centrado na seguinte pergunta: que tipo de réptil deu origem aos dinossauros? As pesquisas apontam que os "répteis terríveis" se desenvolveram a partir de animais relativamente pequenos, presentes em ambientes terrestres há aproximadamente 233 milhões de anos. Existem duas hipóteses concorrentes: esses ‘protodinossauros’ poderiam ser formas bípedes, tais como o Marasuchus, ou formas que se locomoviam (pelo menos em parte do tempo) sobre as quatro patas, como o Silesaurus.
Aliás, diga-se de passagem, este último dinossauromorfo basal foi um dos achados mais interessantes dos últimos anos. A descoberta de Silesaurus na Europa (Polônia) demonstra que os répteis que antecederam os dinossauros eram mais diversificados do que se supunha e não estavam restritos à América do Sul (como o Marasuchus da Argentina e o Sacisaurus do Brasil). Sempre é bom relembrar que, durante aquele tempo, os continentes estavam todos juntos (formando a Pangeia), o que facilitava a distribuição dos animais por áreas bem amplas.
Com base no registro atual dos dinossauros, pode ser estabelecido que apenas cerca de 20 milhões de anos após o seu surgimento esses répteis começaram a dominar os ambientes terrestres. Esse domínio se deu por meio de formas herbívoras como o Plateosaurus da Europa e o Unaysaurus do Brasil e de espécies carnívoras como o Coelophysis e o Tawa da América do Norte – descoberto recentemente.
Mas um ponto parece curioso: apesar dos novos achados, os pesquisadores continuam indecisos com relação às duas hipóteses que procuram explicar o sucesso dos dinossauros. Esses répteis teriam sido mais bem adaptados às condições ambientais da época – particularmente por serem bípedes – ou então tiveram ‘sorte’ e passaram a ocupar nichos ecológicos abertos após a extinção de alguns competidores no final do Triássico?
As pesquisas continuam e, seguramente, as descobertas nos depósitos triássicos do Rio Grande do Sul vão contribuir bastante para as discussões relacionadas à origem dos "répteis terríveis".
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Fonte: Ciência Hoje
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/cacadores-de-fosseis/como-surgiram-os-dinossauros
Publicado em 01/01/2010
Alexander Kellner apresenta em sua primeira coluna de 2010 o estado da arte na pesquisa sobre a origem do mais famoso grupo de répteis fósseis e mostra como novos achados estão ajudando a esclarecer essa questão.
Desenhos de dinossauros do Triássico, período a que pertencem os registros mais antigos desses animais (ilustração: Langer,M.C.; Ezcurra, M.D.; Bittencourt, J.S. & Novas, F.E. 2009. The origin and early evolution of dinosaurs. Biol. Rev. 84:1-56).
Vamos começar o ano em grande estilo. Além de convocar o leitor para eleger o principal achado da paleontologia em 2009 – a primeira vez que uma iniciativa desse tipo é realizada (veja paleocurta) –, nesta primeira coluna de 2010 abordaremos um dos temas mais interessantes da pesquisa sobre dinossauros: a sua origem.
O momento não poderia ser mais propício, pois nos últimos anos diversos novos fósseis foram encontrados, ajudando os pesquisadores a formular algumas hipóteses sobre quando e onde esses répteis surgiram. Em um grande esforço de apresentar os principais dados sobre essa discussão, colegas brasileiros e argentinos, coordenados por Max Langer (USP-Riberão Preto), publicaram uma extensa revisão sobre o tema na Biological Reviews.
O que é um dinossauro?
Nos últimos anos, a descoberta de novos fósseis ajudou os cientistas a formular hipóteses sobre quando e onde os dinossauros surgiram.
O ponto de partida para se estabelecer a origem dos dinossauros é determinar quais são as espécies que devem ser classificadas nesse grupo. Ao criar o termo Dinosauria (que pode ser traduzido como "répteis terríveis") em 1842, o paleontólogo inglês Richard Owen tinha apenas três gêneros em mente: Megalosaurus, Iguanodon e Hylaeosaurus.
Quase 170 anos mais tarde, temos mais de 500 gêneros com 1.000 espécies denominadas, das quais apenas cerca de 700 são consideradas válidas. Talvez o leitor se surpreenda um pouco com essa discrepância, mas o motivo é bem simples: em muitos casos, espécies foram estabelecidas com base em exemplares muito incompletos e fragmentados, cujo estudo posterior demonstrou não possuírem características capazes de permitir a distinção de uma espécie de outra.
O consenso entre os pesquisadores determina que, para ser considerado um dinossauro, o animal obrigatoriamente tem que pertencer a um de dois grupos: Saurischia ou Ornithischia.
As principais características que distinguem os dinossauros dos demais répteis (incluindo os dinossauromorfos basais, que reúnem espécies proximamente relacionadas aos dinossauros) são encontradas, sobretudo, na bacia, pernas e patas. Entre as mais facilmente identificáveis está a região da bacia (pélvis) onde se encaixa a perna, que é chamada de acetábulo. Enquanto os répteis primitivos possuem o acetábulo fechado, coberto por uma parede óssea, os dinossauros – tanto os saurísquios como os ornitísquios – têm o acetábulo perfurado. Até nas aves, que são consideradas dinossauros, pode-se observar um acetábulo perfurado.
Bacia (pélvis) de um réptil primitivo (A), um dinossauro ornitísquio (B) e um dinossauro saurísquio (C). A região onde se encaixa a perna, chamada de acetábulo (ac, em vermelho), é perfurada nos dinossauros, mas coberta por uma lâmina óssea nos répteis primitivos. O osso mais escuro é o púbis, voltado para trás nos ornitísquios (B) e para frente nos saurísquios (C), condição também encontrada nos répteis primitivos (A).
Quando, onde e quem?
Os registros mais antigos confirmados de dinossauros são provenientes de rochas do Triássico, com aproximadamente 230 milhões de anos. Os depósitos principais estão situados na Argentina (Formação Ischigualasto) e no Brasil (Formação Santa Maria). Restos de possíveis dinossauros triássicos foram encontrados em alguns outros países, mas são muito fragmentados, o que dificulta a sua identificação. Assim, o que se pode dizer é que a origem dos dinossauros provavelmente se deu na parte sul do supercontinente Pangeia (que reunia todos os continentes de hoje), talvez no Brasil ou na Argentina.
As principais formas argentinas são Herrerasaurus, Pisanosaurus e Eoraptor, enquanto as brasileiras são Staurikosaurus e Saturnalia. Porém, existem pegadas com cerca de 233 milhões de anos que poderiam pertencer a dinossauros, o que sugere que a origem desses répteis poderia ser ainda mais antiga.
Origem e domínio
Talvez o aspecto mais problemático de toda a discussão esteja centrado na seguinte pergunta: que tipo de réptil deu origem aos dinossauros? As pesquisas apontam que os "répteis terríveis" se desenvolveram a partir de animais relativamente pequenos, presentes em ambientes terrestres há aproximadamente 233 milhões de anos. Existem duas hipóteses concorrentes: esses ‘protodinossauros’ poderiam ser formas bípedes, tais como o Marasuchus, ou formas que se locomoviam (pelo menos em parte do tempo) sobre as quatro patas, como o Silesaurus.
Os cientistas discutem se a origem dos dinossauros se deu a partir de formas bípedes, como o ‘Marasuchus’ da Argentina (B), ou de formas quadrúpedes, como o ‘Silesaurus’ da Polônia (A). Ilustrações: ‘Marasuchus’ de Maurílio Oliveira (KELLNER, A.W.A. & CAMPOS, D.A. 2000. Brief review of dinosaur studies and perspectives in Brazil. An. Acad. Brasil. Ci. 72: 509-538); ‘Silesaurus’ de Jerzy Dzik (Dzik, J. 2003 A Beaked Herbivorous Archosaur with Dinosaur Affinities from the Early Late Triassic of Poland. J. Vert. Paleont. 23: 556-574).
Aliás, diga-se de passagem, este último dinossauromorfo basal foi um dos achados mais interessantes dos últimos anos. A descoberta de Silesaurus na Europa (Polônia) demonstra que os répteis que antecederam os dinossauros eram mais diversificados do que se supunha e não estavam restritos à América do Sul (como o Marasuchus da Argentina e o Sacisaurus do Brasil). Sempre é bom relembrar que, durante aquele tempo, os continentes estavam todos juntos (formando a Pangeia), o que facilitava a distribuição dos animais por áreas bem amplas.
Reconstrução de ‘Staurikosaurus pricei’, encontrado em rochas do Triássico da Formação Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Essa forma brasileira é um dos mais antigos registros de dinossauros do mundo e surgiu antes do domínio desses répteis na Terra (ilustração: Maurílio Oliveira).
Com base no registro atual dos dinossauros, pode ser estabelecido que apenas cerca de 20 milhões de anos após o seu surgimento esses répteis começaram a dominar os ambientes terrestres. Esse domínio se deu por meio de formas herbívoras como o Plateosaurus da Europa e o Unaysaurus do Brasil e de espécies carnívoras como o Coelophysis e o Tawa da América do Norte – descoberto recentemente.
Mas um ponto parece curioso: apesar dos novos achados, os pesquisadores continuam indecisos com relação às duas hipóteses que procuram explicar o sucesso dos dinossauros. Esses répteis teriam sido mais bem adaptados às condições ambientais da época – particularmente por serem bípedes – ou então tiveram ‘sorte’ e passaram a ocupar nichos ecológicos abertos após a extinção de alguns competidores no final do Triássico?
As pesquisas continuam e, seguramente, as descobertas nos depósitos triássicos do Rio Grande do Sul vão contribuir bastante para as discussões relacionadas à origem dos "répteis terríveis".
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
A improbabilidade de Deus
Richard Dawkins
Tradução: André Díspore Cancian
Fonte: Council for Secular Humanism
Muito do que as pessoas fazem é em nome de Deus. Irlandeses explodem uns aos outros em nome de Deus. Árabes explodem-se a si mesmos em seu nome. Imames e aiatolás oprimem mulheres em seu nome. Papas e padres celibatários interferem na vida sexual das pessoas em seu nome. Judeus shohets cortam a garganta de animais em seu nome. As conquistas históricas da religião – cruzadas sangrentas, inquisições torturantes, conquistadores genocidas, missionários destruidores de culturas e toda resistência possível contra o progresso científico – são ainda mais impressionantes. E qual é a parte positiva? Fica cada vez mais evidente que a resposta é “absolutamente nenhuma”. Não há motivos para acreditar na existência de quaisquer tipos de deuses, mas razões bastante boas para concluir que não existem e nunca existiram. Tudo foi apenas um gigantesco desperdício de tempo e vidas. Uma verdadeira piada de proporções cósmicas, se não fosse tão trágico.
Por que as pessoas acreditam em Deus? Para a maioria, a resposta ainda é alguma versão do antigo argumento do “projeto inteligente”. Nós olhamos a beleza e complexidade do mundo, a forma aerodinâmica da asa de uma andorinha, a delicadeza das flores e das borboletas que as fertilizam; através de um microscópio, vemos vida pulular numa pequena gota d'água, através de um telescópio, vemos a imensidão do universo. Nós refletimos sobre a complexidade eletrônica e sobre a própria perfeição óptica de nossos olhos. Se possuirmos um pouco de imaginação, tais coisas geram um senso de espanto e reverência. Ademais, não podemos deixar de perceber a óbvia semelhança entre nossos órgãos e os projetos cuidadosamente planejados pelos engenheiros humanos. A versão mais célebre desse argumento é a analogia com um “relojoeiro” feita pelo padre William Paley no século XVIII. Mesmo se não soubéssemos o que é um relógio, o caráter de suas engrenagens e molas e como elas se organizam com uma única finalidade nos levaria a concluir “que o relógio forçosamente teve um criador: assim, deve ter existido, em algum tempo e em algum lugar, um artífice, que o construiu com uma finalidade, que compreendeu seu funcionamento, que o projetou”. Se isso é verdade para um relógio relativamente simples, então imagine para um olho, ouvido, rim, fígado, cérebro. Essas lindas, complexas, intrincadas e obviamente pré-planejadas estruturas tiveram um projetista, tiveram seu “relojoeiro” – Deus.
Esse é um argumento que praticamente todas pessoas pensativas e sensíveis descobrem elas próprias em algum estágio de suas infâncias. Ao longo da maior parte da história ele provavelmente foi muito convincente, pois se auto-evidencia. No entanto, devido a uma das mais surpreendentes revoluções intelectuais da história, agora sabemos que é falso, ou ao menos supérfluo. Sabemos agora que o aparente “pré-planejamento” dos seres vivos deu-se através de processos inteiramente distintos, um mecanismo que prescinde de qualquer projetista e que é fruto de leis físicas muito simples: o processo da evolução das espécies através da seleção natural, descoberto por Charles Darwin e, independentemente, também por Alfred Russel Wallace.
O que todos esses objetos aparentemente projetados têm em comum? Improbabilidade estatística. Se encontrássemos um cristal transparente com o formato de uma lente rudimentar, não concluiríamos que foi projetado por um opticista: as leis da física por si mesmas são capazes de tal feito; não é muito improvável que esse cristal tenha apenas “acontecido”. Mas caso encontrássemos lentes compostas, cuidadosamente constituídas de modo a evitar aberrações esféricas e cromáticas, com proteção anti-reflexo e com as palavras “Carl Zeis” gravadas em sua lateral, saberíamos que elas não podem ser fruto do acaso. Pegando todos os átomos de tal objeto e jogando-os ao acaso sob influência das forças naturais da física, é teoricamente possível que, por pura sorte, os átomos venham a organizar-se no padrão das lentes compostas Zeiss. Mas o número de outras combinações atômicas igualmente possíveis seria tão absurdamente maior que podemos descartar totalmente a hipótese. O acaso está fora de questão como explicação.
Esse argumento não é circular. Entretanto, talvez pareça ser porque, poder-se-ia argumentar, todos os possíveis arranjos dos átomos são igualmente improváveis. Analogamente ao exemplo anterior, se uma bola de golfe cai especificamente sobre uma folha de gramínea, seria tolo dizer: “entre os bilhões de folhas sobre as quais ela poderia ter caído, acabou caindo justamente nesta. Que coincidência incrível!”. A falácia é, obviamente, que a bola obrigatoriamente precisa cair em algum lugar. Um evento desse tipo apenas seria surpreendentemente improvável se o especificássemos antes dele ocorrer: por exemplo, um homem vendado, sem referencial de direção, dá uma tacada a esmo e acerta o buraco de prima. Isso seria verdadeiramente admirável, pois a trajetória da bola foi definida a priori.
Entre todos os trilhões de modos diferentes de organizar os átomos de um telescópio, apenas uma minoria teria alguma utilidade. Apenas uma minúscula minoria possuiria as palavras “Carl Zeiss” gravadas, ou quaisquer outras palavras conhecidas pelo homem. O mesmo vale para o relógio: de todos os bilhões de possíveis combinações, apenas uma reduzidíssima quantidade mediria o tempo precisamente ou teria alguma outra utilidade. Isso se aplica, a fortiori, para nossos órgãos. Dentre todas as possíveis formas de organizar um corpo, apenas uma quantidade infinitesimal sobreviveria, lutaria por alimento e se reproduziria. Pode-se viver de muitas formas, é verdade: pelo menos dez milhões (se considerarmos o número de espécies distintas atualmente existentes). O fato é que, apesar de haver uma grande quantidade de formas através das quais podemos viver, certamente há uma quantidade esmagadoramente maior de formas através das quais não há vida alguma!
Podemos seguramente concluir que nossos corpos são demasiado complexos para terem surgido do acaso. Então como vieram a existir? A resposta é que o “acaso” entra na história, mas não apenas como um acaso simples e isolado. Em vez disso, incontáveis séries de pequenos acasos, minúsculas mudanças pequenas o suficiente para serem passíveis de ocorrência casual, foram ocorrendo uma após a outra em seqüência. Essas pequenas alterações casuais são advindas de mutações genéticas, mudanças aleatórias – erros de fato – no material genético. Elas dão origem às mudanças na forma corporal existente. Entretanto, a maioria dessas mudanças é prejudicial e acarreta a morte do indivíduo; uma minoria delas, contudo, é positiva, gerando um leve aperfeiçoamento, o que implica aumento na taxa de sobrevivência e reprodução. Através desse processo de seleção natural, as mudanças aleatórias que forem benéficas eventualmente tornar-se-ão predominantes. Agora o cenário está novamente pronto para outra mudança sutil. Após, digamos, mil dessas pequenas mudanças, cada uma servindo de base para a outra, o resultado final torna-se, pelo processo de acumulação, excessivamente complexo para surgir de uma só vez.
Por exemplo, é teoricamente possível que um olho tenha surgido do nada, num único golpe de sorte. É teoricamente possível que uma “receita” tenha sido “escrita” por uma grande quantidade de mutações gênicas. Se todas essas mutações ocorressem simultaneamente, um olho completo surgiria literalmente do nada. Apesar disso ser possível em teoria, na prática é inconcebível. A quantidade de sorte necessária é muito grande. A “receita correta” envolve uma enorme quantidade de genes concomitantemente, é uma combinação em particular entre trilhões de outras. Podemos, certamente, descartar a possibilidade de tal coincidência milagrosa. Mas é perfeitamente plausível que o olho moderno tenha surgido de algo parecido com ele, mas não igual: um olho levemente menos elaborado. Através do mesmo processo, esse “olho menos elaborado” surgiu de outro ainda menos sofisticado, e assim por diante. Admitindo uma quantidade suficiente de pequenas diferenças entre cada estágio evolucionário e seu predecessor, seria possível derivar o olho moderno do nada, simplesmente da pele. Quantos estágios intermediários podemos postular? Isso depende da quantidade de tempo disponível. Houve tempo suficiente para que os olhos evoluíssem passo a passo a partir do nada?
Os fósseis nos dizem que a vida vem evoluindo na Terra há mais de três bilhões de anos. É praticamente impossível à mente humana imaginar tal quantidade de tempo. Nós, naturalmente e felizmente, tendemos a achar que nossas vidas são bastante longas, apesar de provavelmente não vivermos nem um século. Nestes 2000 anos desde que Jesus viveu, o lapso de tempo foi grande o suficiente para obscurecer a distinção entre história e mito. Você pode imaginar uma quantidade de tempo um milhão de vezes maior? Suponha que desejássemos escrever toda a história num único pergaminho. Colocando toda a história depois de Cristo em um metro de pergaminho, quão longa seria a parte correspondente à era pré-cristã, desde o começo da evolução? A resposta seria a distância entre Milão e Moscou. Pense nas implicações disso em relação à quantidade de possíveis mudanças evolucionárias. Todas as raças de cachorros domésticos – pequineses, poodles, são bernardos e chiuauas – originaram-se dos lobos há uma quantidade de tempo que pode ser medida em centenas ou no máximo milhares de anos: não mais que dois metros na estrada entre Milão e Moscou. Pense na quantidade de diferenças entre um lobo e um pequinês, agora multiplique essa quantidade por um milhão. Vendo por esse prisma, fica fácil acreditar que o olho moderno poderia ter surgido gradualmente, passo a passo.
Continua sendo necessário, para que tal explicação seja plausível, que todos os intermediários do processo evolucionário, digamos, da pele até o olho moderno, tenham sido favorecidos pela seleção natural; haveria uma sofisticação gradual sobre seu predecessor, ou ao menos ele teria sobrevivido. Não teria muito valor provar apenas em teoria que houve uma cadeia de intermediários levemente distintos que desembocou no olho moderno, se muitos desses intermediários acabassem morrendo. Alguns argumentam que todas as partes do olho precisariam estar juntas e organizadas ou ele não funcionaria em absoluto. Meio olho, segundo esse argumento, é tão útil quanto nenhum. Não se voa com meia asa; não se ouve com meio ouvido. Assim sendo, não poderia haver uma série gradual de intermediários que resultaria no olho, asa ou ouvido modernos.
Esse argumento é tão ingênuo que apenas fico a imaginar quais são os motivos subconscientes que levam uma pessoa a defendê-lo. Meio olho, obviamente, não é inútil. Indivíduos com catarata que tiveram seus cristalinos removidos cirurgicamente não podem enxergar bem sem óculos, mas se estivessem cegos seria muito pior. Sem o cristalino é impossível focalizar uma imagem detalhadamente, mas ainda assim pode-se evitar colisões com obstáculos e também detectar a sombra de um possível predador.
O argumento de que não se pode voar com meia asa é contestado pelo grande número de animais planadores muito bem-sucedidos, incluindo muitos tipos de mamíferos, lagartos, sapos, cobras e lulas. Muitos animais que vivem em copas de árvores têm membranas entre suas juntas que realmente funcionam como semi-asas. Quando caem de uma árvore, o aumento da superfície de contado proporcionado pelas membranas pode significar a diferença entre a vida e a morte. Sejam as membranas grandes ou pequenas, sempre haverá uma altura crítica na qual elas podem salvar-lhes a vida. Assim, quando seus descendentes desenvolveram essa “superfície extra”, passou a haver um menor índice de mortes, pois sobreviviam mesmo se caíssem de alturas maiores. Desse modo, através de incontáveis mudanças quase imperceptíveis, chegamos-se às asas atuais.
Olhos e asas não “brotam” de uma só vez. Isso seria tão improvável quanto acertar a combinação de um grande cofre bancário. Mas, se formos girando o painel do cofre ao acaso, e a cada vez que acertássemos a posição, a porta se abrisse um pouco mais, rapidamente conseguiríamos destrancá-lo. É esse o “mecanismo secreto” através do qual evolução pela seleção natural alcança o que, a princípio, parecia impossível. Coisas que não podem ser plausivelmente derivadas de predecessores muito distantes podem plausivelmente ser derivadas de predecessores levemente diferentes. Se houver uma série longa o suficiente dessas mudanças sutis, uma coisa pode dar origem a qualquer outra.
A evolução, então, é teoricamente capaz de fazer o que, a princípio, parecia uma prerrogativa de Deus. Mas há evidências de que a evolução ocorreu? A resposta é sim; as evidências são esmagadoras. Milhões de fósseis são encontrados exatamente nos locais e profundidades calculadas caso a evolução tivesse ocorrido. Jamais foi encontrado um fóssil que serviu de evidência contra a teoria da evolução: a descoberta de um mamífero incrustado em rochas mais antigas que os peixes, por exemplo, seria suficiente para refutar o evolucionismo.
Os padrões de distribuição dos animais e plantas nos continentes e ilhas são exatamente os previstos caso houvessem evoluído de um ancestral comum através de um processo lento e gradual. Padrões de semelhança entre animais e plantas são exatamente os esperados caso tivessem parentesco próximo a alguns e distante a outros. O fato de o código genético ser o mesmo em todas as criaturas sugere fortemente que descendemos de um ancestral comum. As evidências da evolução são tão contundentes que o único modo de “salvar” a teoria criacionista seria argumentar que Deus, deliberadamente, plantou enormes quantidades de evidências para nos enganar, fazendo com que a evolução apenas parecesse ter acontecido. Em outras palavras, os fósseis, a distribuição geográfica dos animais e assim por diante, são apenas um grande truque. Alguém gostaria de adorar um Deus capaz de tal feito? É certamente mais sensato, além de cientificamente coerente, aceitar as evidências: todas as criaturas possuem parentesco e descendem de um ancestral remoto que viveu há mais de três bilhões de anos.
O argumento do projeto foi destruído como justificativa para a crença em Deus. Há outros argumentos? Algumas pessoas crêem em Deus devido ao que julgam ser uma “revelação interna”. Tais revelações não são sempre edificantes, mas indubitavelmente parecem reais. Muitos pacientes de manicômios crêem efetivamente que são Napoleão Bonaparte ou Deus em pessoa. Não há dúvida quanto ao poder que tais convicções exercem sobre eles, mas não existem motivos para que o resto de nós acredite nisso. Na verdade, se várias crenças se contradizem mutuamente, não podemos aceitá-las em absoluto.
Um pouco mais precisa ser dito. A evolução através da seleção natural explica muitas coisas, mas não pode ter surgido do nada. A evolução não poderia existir até que houvesse algum tipo, mesmo que rudimentar, de reprodução e hereditariedade. A hereditariedade moderna baseia-se no DNA, o qual é excessivamente complexo para ter surgido espontaneamente. Isso indica que provavelmente deve ter existido algum tipo de sistema hereditário – agora extinto – simples o suficiente para surgir do acaso e de leis químicas, que proporcionou o meio no qual a forma primitiva da seleção natural cumulativa poderia iniciar-se. O DNA foi apenas um produto de tal seleção.
Antes dessa “seleção natural primitiva”, houve um período no qual compostos químicos complexos eram formados a partir de compostos simples e, antes disso, os elementos químicos foram construídos de outros ainda mais simples; tudo muito bem explicado por leis físicas. E ainda antes disso, logo após o big-bang – que deu início ao universo –, praticamente tudo era formado por hidrogênio.
Há uma tentação para argumentar que, apesar de Deus não ser necessário para explicar como a intrincada organização do universo – que se deve fundamentalmente a leis físicas – começou, precisamos de Deus para explicar a origem de todas as coisas. Tal visão não deixa para Deus muitas funções: ele apenas daria início ao big-bang e esperaria tudo acontecer. O físico-químico Peter Atkins, em seu maravilhoso livro “A criação”, postula que o “Deus indolente” esforçou-se para fazer o mínimo de trabalho possível na criação do universo. Atkins explica como cada passo na história do universo prosseguiu, através de simples leis físicas, de seu predecessor. E assim demonstrou que a quantidade de esforço que o “criador preguiçoso” precisaria ter despendido seria, de fato, zero.
Os detalhes sobre as fases iniciais do universo concernem ao âmbito da física, e já que sou biólogo, estou mais preocupado com fases subseqüentes da complexidade evolucionária. Para mim, o importante é que, mesmo sendo necessário postular um mínimo irredutível que precisaria estar presente no começo de tudo para que as coisas se iniciassem, esse mínimo irredutível, com certeza, seria extremamente simples. Por definição, explicações fundamentadas em premissas simples são mais plausíveis e satisfatórias que teorias segundo as quais é necessário postular eventos complexos e estatisticamente improváveis, e certamente não se pode pensar em nada muito mais complexo e improvável que um Deus todo-poderoso.
Tradução: André Díspore Cancian
Fonte: Council for Secular Humanism
Muito do que as pessoas fazem é em nome de Deus. Irlandeses explodem uns aos outros em nome de Deus. Árabes explodem-se a si mesmos em seu nome. Imames e aiatolás oprimem mulheres em seu nome. Papas e padres celibatários interferem na vida sexual das pessoas em seu nome. Judeus shohets cortam a garganta de animais em seu nome. As conquistas históricas da religião – cruzadas sangrentas, inquisições torturantes, conquistadores genocidas, missionários destruidores de culturas e toda resistência possível contra o progresso científico – são ainda mais impressionantes. E qual é a parte positiva? Fica cada vez mais evidente que a resposta é “absolutamente nenhuma”. Não há motivos para acreditar na existência de quaisquer tipos de deuses, mas razões bastante boas para concluir que não existem e nunca existiram. Tudo foi apenas um gigantesco desperdício de tempo e vidas. Uma verdadeira piada de proporções cósmicas, se não fosse tão trágico.
Por que as pessoas acreditam em Deus? Para a maioria, a resposta ainda é alguma versão do antigo argumento do “projeto inteligente”. Nós olhamos a beleza e complexidade do mundo, a forma aerodinâmica da asa de uma andorinha, a delicadeza das flores e das borboletas que as fertilizam; através de um microscópio, vemos vida pulular numa pequena gota d'água, através de um telescópio, vemos a imensidão do universo. Nós refletimos sobre a complexidade eletrônica e sobre a própria perfeição óptica de nossos olhos. Se possuirmos um pouco de imaginação, tais coisas geram um senso de espanto e reverência. Ademais, não podemos deixar de perceber a óbvia semelhança entre nossos órgãos e os projetos cuidadosamente planejados pelos engenheiros humanos. A versão mais célebre desse argumento é a analogia com um “relojoeiro” feita pelo padre William Paley no século XVIII. Mesmo se não soubéssemos o que é um relógio, o caráter de suas engrenagens e molas e como elas se organizam com uma única finalidade nos levaria a concluir “que o relógio forçosamente teve um criador: assim, deve ter existido, em algum tempo e em algum lugar, um artífice, que o construiu com uma finalidade, que compreendeu seu funcionamento, que o projetou”. Se isso é verdade para um relógio relativamente simples, então imagine para um olho, ouvido, rim, fígado, cérebro. Essas lindas, complexas, intrincadas e obviamente pré-planejadas estruturas tiveram um projetista, tiveram seu “relojoeiro” – Deus.
Esse é um argumento que praticamente todas pessoas pensativas e sensíveis descobrem elas próprias em algum estágio de suas infâncias. Ao longo da maior parte da história ele provavelmente foi muito convincente, pois se auto-evidencia. No entanto, devido a uma das mais surpreendentes revoluções intelectuais da história, agora sabemos que é falso, ou ao menos supérfluo. Sabemos agora que o aparente “pré-planejamento” dos seres vivos deu-se através de processos inteiramente distintos, um mecanismo que prescinde de qualquer projetista e que é fruto de leis físicas muito simples: o processo da evolução das espécies através da seleção natural, descoberto por Charles Darwin e, independentemente, também por Alfred Russel Wallace.
O que todos esses objetos aparentemente projetados têm em comum? Improbabilidade estatística. Se encontrássemos um cristal transparente com o formato de uma lente rudimentar, não concluiríamos que foi projetado por um opticista: as leis da física por si mesmas são capazes de tal feito; não é muito improvável que esse cristal tenha apenas “acontecido”. Mas caso encontrássemos lentes compostas, cuidadosamente constituídas de modo a evitar aberrações esféricas e cromáticas, com proteção anti-reflexo e com as palavras “Carl Zeis” gravadas em sua lateral, saberíamos que elas não podem ser fruto do acaso. Pegando todos os átomos de tal objeto e jogando-os ao acaso sob influência das forças naturais da física, é teoricamente possível que, por pura sorte, os átomos venham a organizar-se no padrão das lentes compostas Zeiss. Mas o número de outras combinações atômicas igualmente possíveis seria tão absurdamente maior que podemos descartar totalmente a hipótese. O acaso está fora de questão como explicação.
Esse argumento não é circular. Entretanto, talvez pareça ser porque, poder-se-ia argumentar, todos os possíveis arranjos dos átomos são igualmente improváveis. Analogamente ao exemplo anterior, se uma bola de golfe cai especificamente sobre uma folha de gramínea, seria tolo dizer: “entre os bilhões de folhas sobre as quais ela poderia ter caído, acabou caindo justamente nesta. Que coincidência incrível!”. A falácia é, obviamente, que a bola obrigatoriamente precisa cair em algum lugar. Um evento desse tipo apenas seria surpreendentemente improvável se o especificássemos antes dele ocorrer: por exemplo, um homem vendado, sem referencial de direção, dá uma tacada a esmo e acerta o buraco de prima. Isso seria verdadeiramente admirável, pois a trajetória da bola foi definida a priori.
Entre todos os trilhões de modos diferentes de organizar os átomos de um telescópio, apenas uma minoria teria alguma utilidade. Apenas uma minúscula minoria possuiria as palavras “Carl Zeiss” gravadas, ou quaisquer outras palavras conhecidas pelo homem. O mesmo vale para o relógio: de todos os bilhões de possíveis combinações, apenas uma reduzidíssima quantidade mediria o tempo precisamente ou teria alguma outra utilidade. Isso se aplica, a fortiori, para nossos órgãos. Dentre todas as possíveis formas de organizar um corpo, apenas uma quantidade infinitesimal sobreviveria, lutaria por alimento e se reproduziria. Pode-se viver de muitas formas, é verdade: pelo menos dez milhões (se considerarmos o número de espécies distintas atualmente existentes). O fato é que, apesar de haver uma grande quantidade de formas através das quais podemos viver, certamente há uma quantidade esmagadoramente maior de formas através das quais não há vida alguma!
Podemos seguramente concluir que nossos corpos são demasiado complexos para terem surgido do acaso. Então como vieram a existir? A resposta é que o “acaso” entra na história, mas não apenas como um acaso simples e isolado. Em vez disso, incontáveis séries de pequenos acasos, minúsculas mudanças pequenas o suficiente para serem passíveis de ocorrência casual, foram ocorrendo uma após a outra em seqüência. Essas pequenas alterações casuais são advindas de mutações genéticas, mudanças aleatórias – erros de fato – no material genético. Elas dão origem às mudanças na forma corporal existente. Entretanto, a maioria dessas mudanças é prejudicial e acarreta a morte do indivíduo; uma minoria delas, contudo, é positiva, gerando um leve aperfeiçoamento, o que implica aumento na taxa de sobrevivência e reprodução. Através desse processo de seleção natural, as mudanças aleatórias que forem benéficas eventualmente tornar-se-ão predominantes. Agora o cenário está novamente pronto para outra mudança sutil. Após, digamos, mil dessas pequenas mudanças, cada uma servindo de base para a outra, o resultado final torna-se, pelo processo de acumulação, excessivamente complexo para surgir de uma só vez.
Por exemplo, é teoricamente possível que um olho tenha surgido do nada, num único golpe de sorte. É teoricamente possível que uma “receita” tenha sido “escrita” por uma grande quantidade de mutações gênicas. Se todas essas mutações ocorressem simultaneamente, um olho completo surgiria literalmente do nada. Apesar disso ser possível em teoria, na prática é inconcebível. A quantidade de sorte necessária é muito grande. A “receita correta” envolve uma enorme quantidade de genes concomitantemente, é uma combinação em particular entre trilhões de outras. Podemos, certamente, descartar a possibilidade de tal coincidência milagrosa. Mas é perfeitamente plausível que o olho moderno tenha surgido de algo parecido com ele, mas não igual: um olho levemente menos elaborado. Através do mesmo processo, esse “olho menos elaborado” surgiu de outro ainda menos sofisticado, e assim por diante. Admitindo uma quantidade suficiente de pequenas diferenças entre cada estágio evolucionário e seu predecessor, seria possível derivar o olho moderno do nada, simplesmente da pele. Quantos estágios intermediários podemos postular? Isso depende da quantidade de tempo disponível. Houve tempo suficiente para que os olhos evoluíssem passo a passo a partir do nada?
Os fósseis nos dizem que a vida vem evoluindo na Terra há mais de três bilhões de anos. É praticamente impossível à mente humana imaginar tal quantidade de tempo. Nós, naturalmente e felizmente, tendemos a achar que nossas vidas são bastante longas, apesar de provavelmente não vivermos nem um século. Nestes 2000 anos desde que Jesus viveu, o lapso de tempo foi grande o suficiente para obscurecer a distinção entre história e mito. Você pode imaginar uma quantidade de tempo um milhão de vezes maior? Suponha que desejássemos escrever toda a história num único pergaminho. Colocando toda a história depois de Cristo em um metro de pergaminho, quão longa seria a parte correspondente à era pré-cristã, desde o começo da evolução? A resposta seria a distância entre Milão e Moscou. Pense nas implicações disso em relação à quantidade de possíveis mudanças evolucionárias. Todas as raças de cachorros domésticos – pequineses, poodles, são bernardos e chiuauas – originaram-se dos lobos há uma quantidade de tempo que pode ser medida em centenas ou no máximo milhares de anos: não mais que dois metros na estrada entre Milão e Moscou. Pense na quantidade de diferenças entre um lobo e um pequinês, agora multiplique essa quantidade por um milhão. Vendo por esse prisma, fica fácil acreditar que o olho moderno poderia ter surgido gradualmente, passo a passo.
Continua sendo necessário, para que tal explicação seja plausível, que todos os intermediários do processo evolucionário, digamos, da pele até o olho moderno, tenham sido favorecidos pela seleção natural; haveria uma sofisticação gradual sobre seu predecessor, ou ao menos ele teria sobrevivido. Não teria muito valor provar apenas em teoria que houve uma cadeia de intermediários levemente distintos que desembocou no olho moderno, se muitos desses intermediários acabassem morrendo. Alguns argumentam que todas as partes do olho precisariam estar juntas e organizadas ou ele não funcionaria em absoluto. Meio olho, segundo esse argumento, é tão útil quanto nenhum. Não se voa com meia asa; não se ouve com meio ouvido. Assim sendo, não poderia haver uma série gradual de intermediários que resultaria no olho, asa ou ouvido modernos.
Esse argumento é tão ingênuo que apenas fico a imaginar quais são os motivos subconscientes que levam uma pessoa a defendê-lo. Meio olho, obviamente, não é inútil. Indivíduos com catarata que tiveram seus cristalinos removidos cirurgicamente não podem enxergar bem sem óculos, mas se estivessem cegos seria muito pior. Sem o cristalino é impossível focalizar uma imagem detalhadamente, mas ainda assim pode-se evitar colisões com obstáculos e também detectar a sombra de um possível predador.
O argumento de que não se pode voar com meia asa é contestado pelo grande número de animais planadores muito bem-sucedidos, incluindo muitos tipos de mamíferos, lagartos, sapos, cobras e lulas. Muitos animais que vivem em copas de árvores têm membranas entre suas juntas que realmente funcionam como semi-asas. Quando caem de uma árvore, o aumento da superfície de contado proporcionado pelas membranas pode significar a diferença entre a vida e a morte. Sejam as membranas grandes ou pequenas, sempre haverá uma altura crítica na qual elas podem salvar-lhes a vida. Assim, quando seus descendentes desenvolveram essa “superfície extra”, passou a haver um menor índice de mortes, pois sobreviviam mesmo se caíssem de alturas maiores. Desse modo, através de incontáveis mudanças quase imperceptíveis, chegamos-se às asas atuais.
Olhos e asas não “brotam” de uma só vez. Isso seria tão improvável quanto acertar a combinação de um grande cofre bancário. Mas, se formos girando o painel do cofre ao acaso, e a cada vez que acertássemos a posição, a porta se abrisse um pouco mais, rapidamente conseguiríamos destrancá-lo. É esse o “mecanismo secreto” através do qual evolução pela seleção natural alcança o que, a princípio, parecia impossível. Coisas que não podem ser plausivelmente derivadas de predecessores muito distantes podem plausivelmente ser derivadas de predecessores levemente diferentes. Se houver uma série longa o suficiente dessas mudanças sutis, uma coisa pode dar origem a qualquer outra.
A evolução, então, é teoricamente capaz de fazer o que, a princípio, parecia uma prerrogativa de Deus. Mas há evidências de que a evolução ocorreu? A resposta é sim; as evidências são esmagadoras. Milhões de fósseis são encontrados exatamente nos locais e profundidades calculadas caso a evolução tivesse ocorrido. Jamais foi encontrado um fóssil que serviu de evidência contra a teoria da evolução: a descoberta de um mamífero incrustado em rochas mais antigas que os peixes, por exemplo, seria suficiente para refutar o evolucionismo.
Os padrões de distribuição dos animais e plantas nos continentes e ilhas são exatamente os previstos caso houvessem evoluído de um ancestral comum através de um processo lento e gradual. Padrões de semelhança entre animais e plantas são exatamente os esperados caso tivessem parentesco próximo a alguns e distante a outros. O fato de o código genético ser o mesmo em todas as criaturas sugere fortemente que descendemos de um ancestral comum. As evidências da evolução são tão contundentes que o único modo de “salvar” a teoria criacionista seria argumentar que Deus, deliberadamente, plantou enormes quantidades de evidências para nos enganar, fazendo com que a evolução apenas parecesse ter acontecido. Em outras palavras, os fósseis, a distribuição geográfica dos animais e assim por diante, são apenas um grande truque. Alguém gostaria de adorar um Deus capaz de tal feito? É certamente mais sensato, além de cientificamente coerente, aceitar as evidências: todas as criaturas possuem parentesco e descendem de um ancestral remoto que viveu há mais de três bilhões de anos.
O argumento do projeto foi destruído como justificativa para a crença em Deus. Há outros argumentos? Algumas pessoas crêem em Deus devido ao que julgam ser uma “revelação interna”. Tais revelações não são sempre edificantes, mas indubitavelmente parecem reais. Muitos pacientes de manicômios crêem efetivamente que são Napoleão Bonaparte ou Deus em pessoa. Não há dúvida quanto ao poder que tais convicções exercem sobre eles, mas não existem motivos para que o resto de nós acredite nisso. Na verdade, se várias crenças se contradizem mutuamente, não podemos aceitá-las em absoluto.
Um pouco mais precisa ser dito. A evolução através da seleção natural explica muitas coisas, mas não pode ter surgido do nada. A evolução não poderia existir até que houvesse algum tipo, mesmo que rudimentar, de reprodução e hereditariedade. A hereditariedade moderna baseia-se no DNA, o qual é excessivamente complexo para ter surgido espontaneamente. Isso indica que provavelmente deve ter existido algum tipo de sistema hereditário – agora extinto – simples o suficiente para surgir do acaso e de leis químicas, que proporcionou o meio no qual a forma primitiva da seleção natural cumulativa poderia iniciar-se. O DNA foi apenas um produto de tal seleção.
Antes dessa “seleção natural primitiva”, houve um período no qual compostos químicos complexos eram formados a partir de compostos simples e, antes disso, os elementos químicos foram construídos de outros ainda mais simples; tudo muito bem explicado por leis físicas. E ainda antes disso, logo após o big-bang – que deu início ao universo –, praticamente tudo era formado por hidrogênio.
Há uma tentação para argumentar que, apesar de Deus não ser necessário para explicar como a intrincada organização do universo – que se deve fundamentalmente a leis físicas – começou, precisamos de Deus para explicar a origem de todas as coisas. Tal visão não deixa para Deus muitas funções: ele apenas daria início ao big-bang e esperaria tudo acontecer. O físico-químico Peter Atkins, em seu maravilhoso livro “A criação”, postula que o “Deus indolente” esforçou-se para fazer o mínimo de trabalho possível na criação do universo. Atkins explica como cada passo na história do universo prosseguiu, através de simples leis físicas, de seu predecessor. E assim demonstrou que a quantidade de esforço que o “criador preguiçoso” precisaria ter despendido seria, de fato, zero.
Os detalhes sobre as fases iniciais do universo concernem ao âmbito da física, e já que sou biólogo, estou mais preocupado com fases subseqüentes da complexidade evolucionária. Para mim, o importante é que, mesmo sendo necessário postular um mínimo irredutível que precisaria estar presente no começo de tudo para que as coisas se iniciassem, esse mínimo irredutível, com certeza, seria extremamente simples. Por definição, explicações fundamentadas em premissas simples são mais plausíveis e satisfatórias que teorias segundo as quais é necessário postular eventos complexos e estatisticamente improváveis, e certamente não se pode pensar em nada muito mais complexo e improvável que um Deus todo-poderoso.
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