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quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Sobre a incompetência técnica e profissional

Texto originalmente publicado no Blog da Revista Espaço Acadêmico
https://espacoacademico.wordpress.com/2017/10/04/sobre-a-incompetencia-tecnica-e-profissional/

Há um problema de fundo nessa decisão do juiz da 14ª Vara Federal no Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, sobre a “(re) orientação sexual” (eufemismo criado pelo citado juiz para referir-se à expressão mais conhecida: “cura gay”) que não vejo tratado em nenhum texto ou comentário.

O juiz, que tem formação em direito, decidiu, por conta da sua consciência (e, portanto, a partir de sua posição ideológica), sobre a atuação da profissão de psicólogo. Percebeu o que está errado? Se não, segue breve análise abaixo.

Para deixar claro o problema, farei uma comparação esdrúxula. Imagine um engenheiro civil fazendo cálculos estruturais a fim de garantir a segurança de determinada construção. Ninguém mais, além de seus pares profissionais, teria capacidade de julgar ou valorar os cálculos feitos pelo profissional da engenharia. Portanto, apenas seu conselho profissional poderia intervir sobre a atuação daquele suposto engenheiro.

Continuando com nossa fantasia, imagine agora que alguém, filiado a uma denominação religiosa qualquer, sente-se incomodado em não poder opinar sobre a questão, e aciona a justiça formal para poder refazer os cálculos do nosso engenheiro para aquela obra. Na sua petição, o querelante argumenta que, pela sua fé, o seu deus é garantia de segurança da construção e, portanto, não precisaria da intervenção do engenheiro e nem do respectivo conselho profissional.

O juiz, então, cioso da liberdade de pesquisa e atuação profissional, decide que o litigante terá o direito de também elaborar os cálculos estruturais daquela obra em análise jurídica, a partir das premissas da sua fé, considerando as forças metafísicas envolvidas para suportar a construção, desconsideradas pelo engenheiro.

Aqui não pretendo tratar do pedido jurídico, por si só absurdo, mas da decisão do juiz. De acordo com a comparação extrema acima, o juiz, ao decidir sobre a atuação de outra profissão da qual formalmente nada entende, põe em risco grave a sociedade e as pessoas que se submeterão às consequências dessa estranha decisão. Na nossa fantasia acima, o risco de as forças metafísicas consideradas pelo fiel, e permitidas por meio da decisão de um juiz ignorante no tema, não suportarem a estrutura bem real da construção causará inexoravelmente problemas estruturais graves na obra, podendo levá-la a ruir e a trazer consequências à integridade física de muitas pessoas.

Qual seria a posição adequada do juiz leigo em engenharia, na nossa fantasia acima? Declarar-se inapto sobre a questão e definir o conselho da referida profissão como único capaz de decidir sobre questões técnicas da sua área.

Trazendo para o caso concreto, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho é leigo em questões de psicologia, portanto incompetente para tratar de questões de psicologia. Sua decisão justa e correta seria apenas informar aos demandantes que cabe apenas ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) resolver questões referentes à atuação profissional do psicólogo.

Qualquer decisão diferente dessa seria, como foi, apenas manifestação ideológica e de fé de alguém inabilitado profissionalmente. Ou seja, uma barbaridade! Como seria se um suposto juiz, portanto especialista APENAS em direito, informasse a um engenheiro que ele deverá fazer seus cálculos considerando, por exemplo, a onipotência de um deus qualquer.

domingo, 31 de janeiro de 2010

O massacre mórmon em Monte Meadows

Ou Como a religião torna os homens tão estúpidos.

Massacre mórmon volta à tona 146 anos depois
Igreja Mórmon é pressionada por parentes de vítimas da chacina de Monte Meadows a pedir desculpas

Sally Denton*
The New York Times
Notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 1 de junho de 2003

SANTA FÉ, Novo México - Neste verão, quando as famílias perambularem por todos os Estados Unidos visitando locais históricos, existe um local - o Monte Meadows, no sudoeste de Utah - que não fará parte de muitos itinerários. O Monte Meadows, que fica a duas horas de carro de um dos destinos turísticos mais populares do Estado, o Parque Nacional Zion, é o local que o historiador Geoffrey Ward chamou de "o exemplo mais hediondo do custo humano cobrado pelo fanatismo religioso na história americana até o 11 de setembro".

E embora possa não ser um destino turístico importante, por um século e meio o massacre tem sido o foco de um debate acalorado entre os mórmons e a população de Utah. É uma discussão que atinge o cerne dos dogmas básicos do mormonismo. Isso, a mancha mais escura da história da religião, é uma realidade amarga e uma situação desafiadora para a moderna Igreja Mórmon, que luta para se livrar de sua história de extremismo.

Em 11 de setembro de 1857, em um monte no sudoeste de Utah, uma milícia da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ou mórmons, atacou um comboio de famílias de Arkansas a caminho da Califórnia. Após um cerco de cinco dias, a milícia convenceu as famílias a se entregarem sob a bandeira da trégua e a promessa de travessia segura. Então, na pior carnificina de pioneiros brancos contra outros pioneiros brancos de toda a história da colonização dos EUA, aproximadamente 140 homens, mulheres e crianças foram mortos. Só 17 crianças com menos de 8 anos - a idade da inocência pela crença mórmon - foram poupadas.

Após a matança, a igreja primeiro alegou que os responsáveis tinham sido os índios Paiute, mas, à medida que surgiram provas do envolvimento dos mórmons, a igreja pôs toda a culpa em John D. Lee, um membro da milícia e mórmon fanático que também era o filho adotado do profeta Brigham Young.

Após quase duas décadas, como parte de um acordo para a transformação em Estado, Lee foi fuzilado em 1877. A igreja tem consistentemente negado a responsabilidade - rotulando Lee de renegado -, mas muitos historiadores acreditam que os líderes mó+rmons, embora nunca tenham sido processados judicialmente, ordenaram o massacre.

Agora, passados 146 anos, os descendentes de Lee e os parentes das vítimas vêm pressionando a Igreja Mórmon por um pedido de desculpas. O movimento por algum reconhecimento oficial por parte da igreja começou no final da década de 80, quando um grupo de descendentes de Lee, entre eles um ex-secretário do Interior dos EUA, Stewart Udall, começou a trabalhar para limpar o nome de seu ancestral.

Em 1990, descendentes das vítimas e dos perpetradores começaram a insistir com a Igreja Mormon para admitir a responsabilidade pelo morticínio e para reconstruir um marco em ruínas levantado no local por soldados do Exército americano, em 1859.

O atual presidente da Igreja, Gordon B. Hinckley - ele próprio um profeta que diz receber revelações divinas - tomou um interesse pessoal pelo episódio e, em 1998, concordou em restaurar o marco, onde ao menos alguns dos corpos estavam enterrados. Mas mesmo essa concessão acabou criando uma polêmica quando, em agosto de 1999, uma escavadeira da empreiteira contratada pela igreja desenterrou acidentalmente os ossos de 29 vítimas.

Após um debate entre autoridades de Utah e líderes da igreja sobre leis estatuais que exigem que ossos desenterrados sejam examinados por legistas para determinar a causa da morte, a igreja mandou enterrar rapidamente os restos mortais sem um exame mais detalhado que poderia ter chamado a atenção para a brutalidade dos assassinos. Um mês depois, em 10 de setembro de 1999, quando descendentes dos autores e das vítimas se reuniram para inaugurar um monumento financiado pela igreja no qual esperavam que houvesse um serviço religioso "curador", ambos os lados ficaram desapontados pelos comentários de Hinckley.

Ele continuou a negar a responsabilidade da igreja, chegando a acrescentar uma exoneração de responsabilidade jurídica que muitos consideraram afrontosa. "Que aquilo que nós fizemos aqui nunca seja interpretado como uma admissão por parte da igreja de qualquer cumplicidade nas ocorrências daquele dia fatídico", disse. Muitos consideraram esse discurso uma tentativa de evitar processos judiciais.

Mas a recusa da igreja em desculpar-se é mais complicada. Numa época em que religiões no mundo inteiro estão reconhecendo e mostrando arrependimento pelos pecados do passado, o massacre deixou a Igreja Mórmon num dilema.

Católicos romanos se desculparam pelo seu silêncio durante o Holocausto, metodistas unidos, pelo massacre de índios americanos durante a Guerra Civil americana, batistas sulistas, pelo apoio à escravidão, e luteranos, pelos comentários anti-semitas feitos por Martin Luther King.
Mas, diferentemente dos líderes de outras religiões que se acreditam guiados pela mão de Deus, os profetas mórmons são considerados uma extensão de Deus.

O reconhecimento da cumplicidade por parte dos líderes da igreja poria em dúvida a questão da divindade de Brigham Young e a crença mórmon de que são o povo escolhido por Deus.

Acreditando estar fazendo trabalho de Deus livrando o mundo de "infiéis", os fanáticos mórmons evangélicos cometeram uma das maiores atrocidades civis em solo americano. Sem uma verdadeira tentativa de prestação de contas e reparação, a igreja não escapará da sombra desse crime horrível que paira sobre ela.

* Sally Denton é autora do livro American Massacre: The Tragedy at Mountain Meadows, September 1857 (Massacre americano: a tragédia no Monte Meadows, setembro de 1857)
.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Cartunista dinamarquês sofre atentado terrorista

Fonte: Ateus do Brasil
http://ateusdobrasil.com.br/noticias/cartunista-dinamarques-sofre-atentado-terrorista/?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=Cartunista%20dinamarqu%C3%AAs%20sofre%20atentado%20terrorista



O ano começou mal para o cartunista Kurt Westergaard. Aparentemente três somalis muçulmanos desgraçados tentaram invadir sua casa para tentar matá-lo nesta sexta-feira, dia 1º de janeiro de 2010. Um somali filho da puta de 27 anos foi baleado pela polícia no local ao reagir a prisão e atirar um machado em um policial, que fora usado na tentativa da invasão do domicílio de Westergaard em Aarhus.

Autoridades dinamarquesas disseram que o invasor tem ligações à milícia radical islâmica al-Shanab.

Westergaard estava em casa quando o homem invadiu o local, armado com uma faca e um machado. O cartunista, hoje com 74 anos, já foi ameaçado diversas vezes pela publicação da charge acima e algumas outras em um jornal dinamarquês em 2006. O desenho mostra Maomé com um turbante em forma de bomba, mostrando o quanto os muçulmanos tendem a ser esquentados e intolerantes.

Segundo o jornal Jyllands-Posten, o mesmo que publicou as charges, o agressor ferido pela polícia gritou as palavras "vingança" e "sangue" enquanto tentava matar o cartunista.

O alerta de segurança aconteceu quando três pessoas tentaram entrar em sua casa e foram repelidos por policiais que estavam de guarda. O homem ferido foi levado para um hospital, e depois ao tribunal, onde teve a cara de pau de negar as acusações de tentativa de homicídio.

Religião de paz o meu rabo. E cadê os muçulmanos criticando a ação desses terroristas?

sexta-feira, 10 de março de 2006

Sobre desenhos, liberdade e Voltaire

Artigo de Sergio Mauricio publicado no Caderno Cultural do Jornal A Tarde, Salvador, BA, em 18/03/2006.

"A luz apagada
(mas pior: o gosto do escuro)"
Fragmento dum poema de José Paulo Paes

Muito se disse e se escreveu sobre os doze desenhos satíricos que ironizavam o profeta muçulmano Maomé publicados no jornal dinamarquês Jyllands-Posten, em 30 de setembro de 2005, e também sobre algumas das suas desproporcionais reações, principalmente no mundo islamizado.

Um articulista dum jornal estadunidense, Theodore Dalrymple do City Journal de Nova Iorque, escreveu um texto intitulado “Viva Voltaire”, publicado em 10 de fevereiro de 2006, no qual defende a liberdade de expressão e a classifica como “moeda inegociável”, enquanto um ilustre magistrado brasileiro, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 12 de fevereiro de 2006, pede “mais calma, mais razão” àqueles que divulgaram os desenhos, no qual opta por recriminá-los e encontra justificativas à reação da parcela mínima de muçulmanos pelo argumento da falta de respeito ao outro e à sua fé, rejeitando a evocação de Voltaire e seu “Tratado sobre a tolerância”, por considerar suas condições diversas das atuais. Já um renomado filósofo brasileiro propõe, também na Folha de S. Paulo, em artigo de 19 de fevereiro de 2006, a “ampla defesa do nosso direito sagrado de rir neste vale de lágrimas onde pontificam os que defendem o terror e a censura”.

Sim, é preciso evocar Voltaire, e com todas as nossas forças! A máxima a ele atribuída ainda não está clara para muitos e precisará ser lembrada à exaustão: “Não estou de acordo com o que dizeis, mas defenderei até à morte o vosso direito a dizê-lo”. O preceito da liberdade de expressão, pilar do pensamento iluminista, é fundamento da nossa sociedade ocidental e, portanto, não é mesmo negociável, em nenhuma hipótese. O artigo undécimo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, decretada em 1789 pelos revolucionários franceses, afirma que “a livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; cada cidadão pode falar, escrever, imprimir livremente, salvo responder pelo abuso desta liberdade nos casos previstos pela lei”. Rejeitar a evocação de Voltaire por diferenças jurídicas entre o caso da morte de Jean Calas em 1762 e a atual divulgação dos desenhos dinamarqueses é se apegar à forma e não à essência do problema, que não discute filigranas jurídicas, mas premissas e direitos da nossa cultura, aliás, como bem coloca a Declaração citada, dos “mais preciosos”.

Poder-se-ia argumentar que os valores ocidentais não são universais e, portanto, restritos ao seu escopo cultural, o que seria correto. Mas os fatos não extrapolaram o mundo ocidental, não obstante suas conseqüências sim, pois os desenhos foram publicados na Europa, no seio histórico da cultura ocidental. Se a reação islâmica, com mortes e violência exacerbada disseminadas por diversos países muçulmanos, restringisse-se ao alcance de seu mundo e de sua cultura, o ocidente não teria qualquer responsabilidade, mas inaceitável é ver líderes ocidentais pedindo a suprema violência da censura como forma de coibir a livre expressão. Os desenhos causadores de tamanho imbróglio foram proibidos de ser publicados por órgãos de imprensa em diversos países ocidentais; políticos e religiosos do ocidente manifestaram-se a favor dessa proibição, dessa atitude arbitrária e prepotente, a fim de garantir o respeito ao credo alheio, conforme suas argumentações interessadas.

A liberdade de credo, também fundamental, não implica no silêncio da crítica e do riso. Qualquer manifestação contrária à livre expressão é sintoma enfermo e medieval de mentes ainda acrisoladas num passado em que a religião era a medida de tudo. Respeitar o outro, seu credo, sua palavra, é permitir que se expresse, que viva a sua cultura, que reflita a partir de suas bases de pensamento, mas é aceitar que o outro também o faça, e que possa fazer, inclusive, de forma radicalmente diferente da minha. Por isso Voltaire ainda é atual e precisa ser evocado sempre que a escuridão da censura for colocada como hipótese.

A França, que a história reservou o papel de baluarte da liberdade de expressão, emitiu durante esse período sinais contraditórios ao mundo. Dum lado, a triste notícia da demissão do editor-chefe do jornal France Soir, o jornalista Jacques Lefranc, por ter autorizado a republicação dos fatídicos desenhos dinamarqueses em 1 de fevereiro de 2006, e assim ter “ofendido os muçulmanos”, segundo afirmação do proprietário do diário, o egípcio Raymond Lakah, apesar dos significativos protestos de seus funcionários e do Ministério do Exterior da França. Já outros dois jornais franceses, os semanários satíricos Le Canard Enchaîné e Charlie Hebdo, no começo de fevereiro, romperam com a hipocrisia reinante e republicaram os desenhos, além de novos que criaram. Outros jornais europeus também seguiram o caminho da defesa da liberdade de expressão, publicando os desenhos e editoriais que afirmavam tal postura, como Die Welt da Alemanha, La Stampa da Itália, El Periódico da Espanha, Volkskrant da Holanda e The Star da Irlanda.

Vive-se num estranho mundo, a liberdade de expressão é acuada ao ponto do ridículo, como uma lei austríaca que simplesmente proíbe a negação do holocausto judeu durante a II Guerra Mundial, o que já provocou a condenação à prisão por três anos, em novembro de 2005, do historiador britânico David Irving, devido a uma entrevista concedida em 1989. Mas tal absurdo também existe na própria França, é a Lei Gayssot, de julho de 1990, que foi usada para condenar o sociólogo Edgar Morin, em maio de 2005, por ter afirmado em artigo no jornal Le Monde, em 4 de junho de 2002, que “os judeus, que foram vítimas de uma ordem desumana, impõem agora uma ordem desumana aos palestinos”. Outros tantos países europeus também contam com suas leis censoras que impedem a negação do holocausto, como a Bélgica, a Polônia, a Alemanha, a Romênia etc. No Brasil, a Lei 8.882, assinada pelo então presidente Itamar Franco, em junho de 1994, depois substituída pela Lei 9.459, de maio de 1997, assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, proíbe a divulgação de símbolos considerados nazistas. Várias sentenças judiciais no Brasil e no mundo têm proibido a circulação de livros e as manifestações artísticas por questões diversas, algumas consideradas de preconceito racial, outras consideradas ofensivas a algum credo religioso. Outrossim, o livro “Protocolos dos sábios de Sião”, obra do século XIX, está proibido no Brasil, e como não lembrar do lendário desfile da escola de samba Beija-Flor em 1989, organizado pelo carnavalesco Joãosinho Trinta com o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, que foi proibida de desfilar com uma imagem do Cristo, mas que ainda assim apresentou-a coberta por sacos de lixo e a faixa libertária e irreverente: “Mesmo proibido, orai por nós”.

Talvez seja o caso de promulgar uma nova lei proibindo os historiadores de negarem a escravidão no Brasil ou, quiçá, as perversidades nos navios negreiros. Para não parecer perseguição aos historiadores, uma outra lei proibiria os astrônomos de afirmarem a existência de outros mundos além do sistema solar e os matemáticos de estudarem os números complexos, afinal, não estão descritos em nenhum livro considerado sagrado. Ou ainda uma nova lei que proíba o ateísmo, em respeito ao credo alheio, e dê-lhe como punição a pena máxima, pois, afinal, esses indivíduos não passam de hereges que não temem aos deuses. E para manter a coerência filosófica, uma outra que proíba a divulgação dos símbolos judaicos, visto representarem diversos massacres históricos apresentados nos livros do Velho Testamento e o holocausto atual do povo palestino. Outra sugestão seria a proibição definitiva do ensino do evolucionismo darwinista nas escolas, pois agridem o credo de tantos e tantos, e como pena, que tal a fogueira? Assim teríamos os nossos giordanos brunos e galileus modernos, e a glória da fé estaria salva ao fazermos o Sol girar em torno da Terra e o homem originar-se do barro. Aos livros antigos e novos que ainda ousassem ensinar tais blasfêmias, o fogo nas praças, e assim teríamos também os nossos autos-de-fé. Aos artistas que quisessem expressar suas idéias, na forma que fosse, a prisão ou o degredo. Nossa sociedade estaria finalmente livre desse incômodo chamado liberdade, ainda que tardia. Seria tudo muito engraçado, se não fosse triste e representativo do nosso momento, mas, como ensinou o filósofo já citado, temos o direito sagrado do riso, até sobre nossas próprias mazelas filosóficas e morais.

A censura obscurantista sempre está ao lado do fanatismo, seja ele político, religioso ou ideológico, e o fanatismo é o oposto da tolerância, aliás, relação já apontada por Voltaire, que tanto sofreu com a intolerância política e religiosa, e, para ele, “o melhor meio para diminuir o número dos maníacos, se é que permanecem, é confiar essa doença do espírito ao regime da razão, que lenta mas infalivelmente ilumina os homens”. Ave Voltaire!


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