“A crítica se torna,
assim, elemento básico da filosofia e da prática espírita. Mas é evidente que
deve ser exercida por pessoas que tenham condições de cultura e bom-senso para
criticar”.
“Sem crítica não há
correção de erros, não há renovação de conceitos nem abertura de perspectiva
para evolução”.
J. Herculano Pires
A filosofia moderna, surgida no bojo das
transformações econômicas e sociais do período da renascença, legou-nos valores
e saberes que se tornaram referências ao pensamento e à prática contemporâneos.
Uma das mais importantes mudanças na postura desse
homem moderno, renascentista, em relação ao conhecimento foi o questionamento
do argumento de autoridade, muito comum em épocas anteriores. Descartes, marco
imperativo desse momento, propõe a dúvida a tudo e a todos como etapa
necessária a qualquer tentativa de construção gnosiológica. Mas são os
pensadores iluministas que concluirão esse caminho árduo propondo, a partir
dessa nova postura e centrando todo o esforço nos valores humanos, uma
sociedade mais livre, laica e plural, inaugurando então o mundo contemporâneo.
Faço essa introdução breve para comentar o texto do
médium baiano Divaldo Franco publicado no Jornal A Tarde, de Salvador, BA, no
dia 22 de fevereiro de 2018. O texto trata, evidentemente, das muitas críticas
recebidas pelo autor após sua confusa resposta a um jovem, que o perguntou
sobre “ideologia de gênero”, num evento ocorrido em Goiânia, GO, no dia 13 de
fevereiro de 2018.
O texto de Divaldo Franco publicado no Jornal A Tarde está aqui:
http://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/artigos-espiritas/liberdade-de-consciencia/
http://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/artigos-espiritas/liberdade-de-consciencia/
Abstive-me de comentar o conteúdo de sua fala no
referido evento, e assim pretendo continuar fazendo, por conta da inesperada associação,
feita por Divaldo Franco, de questões políticas ao tema proposto pelo jovem. O
que aqui faço é apenas comentar a contrarreação do famoso médium às críticas
recebidas.
O autor começa seu texto colocando-se como vítima
dos “cerceadores da liberdade dos outros”, sendo os “outros” identificados como
aqueles que discordam de seu pensamento (“quando as ideias apresentadas não
obedecem aos seus padrões de pensamento e de conduta”).
Retornei às críticas feitas às ideias do médium, e
que estão disponíveis na rede virtual de informações, e não consegui
identificar a qual ele se refere, uma vez que nenhuma das que tive acesso
propõe calá-lo ou cercear sua liberdade de opinião. Ou o autor se refere a alguma
crítica bem específica que não vi ou li, ou parece que confundiu alhos com
bugalhos. Afinal, é preciso, no trato dialógico, não confundir crítica com
censura.
Adiante, acusa seus críticos de não dialogar com
ideias, mas com insultos de ordem pessoal, e de perseguir “os idealistas”,
grupo ao qual se inclui e, obviamente, exclui seus críticos. Aqui também vale a
ressalva que nas reações mais divulgadas à sua fala não houve ataque pessoal à
figura do indivíduo Divaldo Franco, mas críticas contundentes ao seu
pensamento. Parece que o médium não leu ou viu as críticas recebidas, tornando
sua queixa infundada.
No mais, é no texto proposto como contrarreação que
o autor vocifera ad hominem, reagindo
de forma pessoal contra seus críticos, usando adjetivos à mancheia: rudes,
agressivos, insanos, intimidadores, arrogantes, temerários, perseguidores,
invejosos e despeitados. Talvez tenha esquecido um ou outro, diante da sua
profusão.
Acho que Divaldo perdeu uma ótima oportunidade de
argumentar sobre as críticas recebidas, preferindo, em vez disso, atacar aqueles
que com ele não concordam. Mas isso é um direito seu.
E é também um direito seu inalienável, e disso
ninguém discorda, escolher um lado político e defender publicamente essa opção;
nutrir determinados valores morais e fazer deles sua pregação; crer e praticar
sua fé livremente; pensar e expressar seu pensamento.
O problema é achar que seu pensamento não deve e
não pode receber críticas, considerando-se um “grande líder perseguido” sempre
que alguém argumentar contra suas ideias. Esse tipo de argumento é anterior à
luz do modernismo e do iluminismo filosóficos, e retoma a ideia medieval da autoridade
do “líder” ou do “idealista” como verdade inquestionável. A crítica também é um
direito inalienável e compõe o quadro do direito às liberdades de consciência e
de expressão, o que parece ter esquecido o médium em seu texto.
E, para ilustrar sua defesa, o autor cita um pensamento
atribuído a Voltaire, não se apercebendo, porém, que a citação inicia afirmando
o desacordo entre as ideias, portanto sem dispensar a crítica, defende a
liberdade de expressão. É preciso estar pronto para receber críticas sempre que
se expõem ideias, sob o risco de parecer inapto ao diálogo aberto e maduro.
Não se pode olvidar que as adjetivações pessoais na
troca de ideias, tão profícua no texto do famoso baiano, é uma vã tentativa de diminuir
seus interlocutores, impondo-se como autoridade e liderança a ser seguida,
objetivando calar o oponente de ideias. Isso sim pode-se chamar de censura.
Aliás, Divaldo poderia ouvir mais os jovens com
quem estava no referido evento, pois isso nos ensinam de forma simples: “não
sabe brincar, não desce ao play”.