Minha experiência em casas espíritas, e já é uma
longa experiência, contada em décadas e muitas casas diferentes, mostra que o
tema política costuma não ser muito bem vindo em palestras e estudos internos.
O que é uma pena.
Há duas justificativas mais comuns para essa
proibição implícita: uma é que o espiritismo não deve imiscuir-se em política
partidária por pretender um discurso universal, portanto não deve tratar de
política em suas atividades; outra é a crença que a discussão política leva à
dissensão, quebrando a harmonia necessária às atividades da casa ou do grupo,
focadas no atendimento a carências diversas.
Bem, penso que as duas justificativas são insustentáveis
e ilustram um comportamento mais prejudicial do que construtivo. Mas as enfrentemos.
Sem dúvida, o maior objetivo das propostas espíritas
é a transformação interior do homem, que significa a transformação de seus
sentimentos, de suas atitudes e de seus pensamentos. Lutar contra o orgulho e o
egoísmo que impedem nosso crescimento como indivíduos e cidadãos resume bem a
proposta de Jesus transcrita nas obras kardecistas.
Mas como realizar a transformação pessoal sem a
necessária convivência com o outro? Afinal, é justamente na convivência em
sociedade que conseguimos expressar nossos sentimentos, praticar nossas
atitudes e burilar nossos pensamentos. A comparação do homem em sociedade com o
lapidar da pedra em contato com outras é bem ilustrativo do processo de
transformação interior do indivíduo: só conseguimos melhorar a partir da
convivência, do contato, do conflito com o outro. Ou, de outra forma, só
mudamos a partir da experiência social com o outro. Isso significa que toda
meditação, oração e estudo de nada servirão se não conseguirem mudar nossas
posturas com o outro.
Nossas experiências sociais iniciam-se em família e
transbordam para grupos cada vez maiores no nosso processo de amadurecimento. E
em todos esses grupos precisamos colocar em prática nossa opção de ser
espírita: empatia, caridade, compreensão e respeito. E saber viver em grupos
sociais, buscando o melhor para nós e para todos é o que se pode traduzir muito
bem como política. Portanto, fazemos política o tempo todo em nossas relações
sociais. Fazemos política na família, no condomínio, na escola, no trabalho, na
casa espírita, em qualquer lugar, pois fazer política é justamente buscar
conviver bem nos grupos sociais a que pertencemos. E por que não podemos
estender essa busca pela melhoria de nossos grupos relacionais à dimensão do
nosso bairro, da nossa cidade ou da nossa nação?
Será que discutir nossas posturas em família causa
dissensão? Se não, por que discutir nossas posturas na cidade causariam? Viver
na cidade é ser cidadão e a casa espírita precisa discutir a cidadania. E isso
é política da melhor qualidade! O espaço de discussão do espírita é a casa
espírita por excelência e ela não se pode furtar a esse papel. Educar e
orientar o cidadão são auxiliá-lo em seu processo de transformação pessoal, é
ser espírita na melhor acepção da palavra.
Limitar a discussão política à discussão da política
partidária é reduzir o papel da política em nossas vidas. Isso não quer dizer
que não se pode também enfrentar esse tema, haja vista a nossa necessidade de
dialogar sobre as questões da cidade, e que essas questões podem resvalar,
algumas vezes, em questões partidárias. Mas outra coisa bem diferente da
discussão partidária, e de candidaturas para cargos eletivos, é a discussão sobre
ideologias e suas formas de enfrentamento dos problemas da cidade. Penso que o
diálogo ideológico é essencial até para o bom entendimento dos discursos
políticos, das notícias e dos fatos cotidianos que nos alcançam. E dialogar
sobre ideologias e suas formas de entender o mundo não é doutrinar, é educar,
portanto crescermos como indivíduos e melhor nos preparar para a atuação em
sociedade.
Quanto à questão da manutenção da harmonia do
ambiente da casa espírita como justificativa para a vedação do diálogo político
interno, penso que são tantas as questões que causam desarmonia entre pessoas,
que não seria esse o problema. Em verdade, não é o tema política que causa
desarmonia, mas a situação emocional e mental dos indivíduos, pois nos desarmonizamos
em qualquer situação que toque em ferida aberta ou melindre guardado. Se o tema
em questão leva à desarmonia, é uma ótima oportunidade para o trabalho na casa
espírita, pois temos a oportunidade de enfrentar um ponto que mexe na nossa paz
e na nossa tranquilidade. Ora, não é esse justamente o papel da casa espírita?
Deixaremos então de atender indivíduos, encarnados ou não, que exibem
comportamento desajustado porque pode causar desarmonia? Como se vê, discutir
política deveria ser como dialogar sobre qualquer questão, incluindo nossos problemas
mais incômodos, como aqueles que nos tiram do sério e expõem nossas severas dificuldades
emocionais e relacionais.
Sei que esse tema ainda é grande tabu nas casas
espíritas, mas é preciso enfrentá-lo para conseguirmos superar esse obstáculo e
tratar a política como parte da nossa formação integral.