Eu tento. E tento de boa fé. Sério, mas é difícil! Foi
assim: vi o anúncio dum evento na FEB, a Federação Espírita Brasileira, marcado para a noite do dia 10/03/2014, com
o instigante tema “A física e o espiritismo, paralelo e convergências – A ciência
e a ciência espírita”. Como é um tema que muito me interessa, decidi assistir-lhe.
Cheguei cedo, cerca de uma hora antes da apresentação, e despendi o tempo na
livraria para inteirar-me das novidades literárias.
O assunto é árduo, principalmente quando abordado
para uma plateia sem maiores conhecimentos de filosofia da ciência, teoria do
conhecimento e, claro, rudimentos de física. O palestrante teria pela frente responsabilidades
em relação aos público e tema.
Para minha surpresa, o palestrante que falaria da física
e suas relações com o espiritismo era um... médico! Bem, tinha esperanças que
fosse alguém interessado e ilustrado no que seria tratado. Ouvi-lo-ia então,
sem preconceitos.
O cardiologista começou por tentar definir algumas
questões de filosofia da ciência e teoria do conhecimento, objetivando o
nivelamento do público ao que abordaria, já que necessárias, como explicara.
Definições de verdade, certeza, crença e conhecimento saíam com
superficialidade e pouco cuidado, apresentando já as credenciais do que eu
enfrentaria naquela noite. Mas quando resolveu caracterizar a ciência “ortodoxa”,
qualquer esperança de bom senso se esvaiu imediatamente e meu interesse seguiu
o mesmo rumo.
Uma digressão: sempre que ouço alguém falar de
ciência ortodoxa, um sinal de alerta é imediatamente soado: estou diante dum
discurso bobo, pueril e pouco elaborado. Não existe uma ciência ortodoxa e
outra heterodoxa, existe ciência. Assim, quando se quer dar um ar científico a
um discurso infundado, diz-se que é uma ciência, mas não ortodoxa, como o fazem
a astrologia, a homeopatia, a psicanálise, a teologia, o espiritismo e outras
tantas.
Pobre ciência, violentada num leito de Procusto,
adequando-se às necessidades das pregações inconsequentes. Mas não sou Teseu, e
resolvi apenas ouvir, apesar de angustiado pelo sofrimento atroz imputado à indefesa
ciência. Indefesa porque o público, em sua maioria ignorante de seus princípios
teóricos, cria estar diante de novidades que a aproximavam daquelas bobagens
que se seguiam numa verborragia torturante. E eu quase podia ouvir os urros da
vítima sendo esticada e amputada em partes essenciais naquele leito de horror.
E eu, na balbúrdia da minha mente, não obstante o
silêncio exterior, refutava cada argumento, cada frase, relembrando as já distantes
aulas introdutórias de epistemologia na academia. Como aquilo poderia ser tratado
com seriedade por pessoas com um mínimo de entendimento filosófico? Até um aluno
dos semestres iniciais de filosofia seria capaz de perceber os absurdos
conceituais.
Após destratar a filosofia e a história, o capataz
resolveu também deitar a física no mesmo leito. E eu assistia àquela sessão de
tortura silente, incapaz de qualquer manifestação. Fui um covarde, assumo, pois
estava muito próximo ao patíbulo para ousar intervir. E, enquanto me contorcia
diante daquela tragédia, percebia que o público deliciava-se com as palavras, sem
perceber a dor do conhecimento, aceitando-as como nova revelação, como o fazem
todos que ignoram algo e não foram educados para a reflexão crítica.
Terminou como começou e um vazio preencheu meus
sentimentos. Senti-me como um parente de vítima perseguida num anfiteatro romano:
enquanto todos aplaudiam, eu sofria. Fui-me embora, na noite fria da capital
federal, num ônibus vazio. E eu cheio de nada. Pouco a pouco percebi a mente retomando
a reflexão, depois daquele espasmo intelectual, e lembrei-me duma frase que
usara noutros tempos sem parcimônia: olha no que deu o espiritismo...