Eu sempre soube que eu tinha um lado.
Minhas experiências de vida sempre tocaram num ponto: o
sentimento de impotência diante da desigualdade e da injustiça social, e o
aperto no coração por conta da dor dos excluídos. Isso me incomoda muito.
Nunca pensei em apenas “cuidar da vida” esquecendo-me dos
outros. Eu sempre achei que deveria fazer algo. E não apenas orar ou torcer,
mas fazer algo de concreto que pudesse significar, mesmo que em escala ínfima,
um auxílio àqueles que vivem em condições de risco social. Saí às ruas da minha
Salvador durante quase oito anos, todas as noites de terça-feira, para,
juntamente com outros abnegados companheiros, alimentar e ajudar homens,
mulheres e crianças de rua, que experimentavam a fome, o frio e o medo.
Sim, eu tenho um lado.
E isso gritou ainda mais alto dentro de mim nessa noite
chuvosa de domingo, o 17/04/2016. Pois estávamos na rua lutando pela democracia
e pela legalidade, e ao meu redor inúmeros homens e mulheres de rostos
enrugados e mãos calejadas, gente simples, gente que sofre todas as mazelas
sociais e econômicas desse país injusto, sob a chuva, enrolados em suas
bandeiras vermelhas dos movimentos sociais, único apoio verdadeiro dessa gente.
Vê-los ali, ao meu lado, faces molhadas de suor e chuva,
reivindicando, gritando, vibrando, torcendo e mostrando toda a força dessa
gente de fibra, fez-me ter a certeza de que caminhar ao seu lado é o que de
mais honroso e belo eu poderia fazer. Lutar por eles jamais, mas lutar com
eles. Mostrar que gente como eu, da classe média, bem nutrida e estudada, pode
e deve ser parceira nesse caminhar, porque, mesmo sem lutarmos a mesma luta da
vida, sonhamos o mesmo sonho de igualdade, solidariedade, justiça e respeito.
E o meu lado é o lado do autêntico povo brasileiro e das
suas lutas históricas por mais direitos e acesso a serviços públicos decentes.
É o lado do trabalhador que acorda muito cedo para honrar seu mísero salário de
explorado. É o lado dessa gente de corpos transformados pelo esforço de uma
vida de muita dor e luta, mas que traz dentro de si um universo incomparável de
amor e beleza.
Sim, eu tenho um lado.
E você, meu amigo, que não entende a razão de eu ter esse
lado, só posso lamentar e torcer para que você também um dia acorde e se junte
a nós nesse esforço de transformar nosso país num lugar de oportunidades iguais
e justiça para todos. E porque essa luta não para, não cessa, também
precisaremos de você. E nesse caminho, não se engane, haverá derrotas,
percalços e tristezas, mas o horizonte que vislumbramos, os sonhos que temos,
fazem-nos ter a certeza de que não poderíamos jamais ter outro lado.
Sim, eu tenho um lado. E esse é o meu lado!