Luís Fernando Veríssimo
O Estado de S.Paulo, 12/01/2012.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,religioes-,821754,0.htm
Se for eleito, Mitt Romney será o primeiro presidente
mórmon dos Estados Unidos, ou, que eu saiba, de qualquer outro país. A
igreja Mórmon foi criada no século 19 pelo americano Joseph Smith, que a
baseou em contatos pessoais que teve com Deus e com Jesus Cristo e em
mandamentos que recebeu das mãos de um anjo chamado Morôni, na forma de
tabletes de ouro.
Quando John Kennedy candidatou-se a presidente dos Estados Unidos
diziam que ele jamais se elegeria, pois um católico teria que ser mais
leal ao papa do que à Constituição do país. Kennedy se elegeu e, no seu
curto governo, nunca consultou o papa sobre nenhum assunto de Estado.
Hoje ninguém parece ter um temor igual com relação à religião de Romney.
A religião tem mesmo estado ausente nos debates entre os republicanos
que querem ser candidatos à presidência. Talvez porque Romney não seja
um mórmon praticante. Sua religião permite a poligamia, por exemplo, e
ele só tem uma mulher. Se bem que, depois de elegerem Barak Obama, os
americanos provavelmente não hesitariam em experimentar esta outra
novidade: três ou quatro primeiras-damas em vez de uma!
A religião de cada um é questão de cada um e não deve mesmo fazer
parte do embate político, e o mundo e a vida são coisas tão misteriosas
que nenhuma teoria sobre de onde viemos, para onde vamos e quem pagará a
corrida é mais improvável ou menos absurda do que outra. Toda a
civilização cristã se baseia em mitos e milagres apenas mais antigos dos
que os relatados por Joseph Smith. Mas não há como não se assustar com o
poder crescente em nossas vidas do fundamentalismo, que é a religião no
seu estado impermeável. O poder real no Irã não é o do presidente
Ahmadinecoisa e dos políticos, é dos aiatolás e suas mentes medievais.
Uma minoria ortodoxa insiste em fazer de Israel uma teocracia sem
concessões, e o radicalismo do lado palestino não é menor. O fanatismo
religioso islâmico inquieta e a reação ao terror também. E o mais
assustador é tudo que as pessoas estão dispostas a acreditar - ou tudo
que uma mente religiosa está predisposta a aceitar, de pastores
pilantras a martírios suicidas. O sono da razão gera monstros, diz
aquela frase numa gravura do Goya. O sono da razão parece ficar cada vez
mais profundo, na noite atual.
Como Romney ainda não foi chamado a falar da sua religião, não se
sabe como seria uma hipotética intervenção do anjo Morôni nas suas
decisões, na presidência. Por via das dúvidas, é melhor torcer pelo
Baraca.
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